9º Capítulo

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HARVEY

Naquela tarde, sob um sol que dominava o céu, mas acompanhado por rajadas de vento frio vindos do Norte, antecipando a chegada de uma tempestade, encontrava-me ao lado do túmulo. Meus cabelos estavam presos, ocultando qualquer expressão sob óculos escuros, enquanto vestia um terno preto que parecia absorver a luz do sol. Ao meu lado, Paulie compartilhava da mesma vestimenta sombria, seus óculos escuros escondendo os olhos, e uma postura que falava mais de formalidades do que de luto, as mãos unidas à frente em um gesto que buscava transmitir respeito.

A cerimônia de enterro se desenrolava com uma eficiência mecânica, os rituais e palavras pronunciadas pelos presentes não encontravam eco em mim. Observava o cenário à minha frente, a multidão de rostos conhecidos e estranhos, todos reunidos para prestar suas últimas homenagens, mas eu me mantinha afastado emocionalmente, um observador isolado em meio à dor compartilhada. Não havia espaço em meu peito para a melancolia ou reflexões profundas; apenas um reconhecimento frio e distante do ciclo inescapável da vida e da morte.

E lá estavam os miseráveis. A presença deles tinha escapado à minha observação inicial, mas a boa e velha máfia italiana marcava presença ali, naquela tarde que começava a ficar cinzenta. Os descendentes de Don Scangarelo, junto a Tonny Bianchi e Gali Cerbeone, vindos diretamente de Florença, estavam lá, imersos na multidão que se reunira para o enterro. Era um sinal claro do respeito, ou talvez da curiosidade, que meu nome evocava no submundo, um reconhecimento que transcendia as fronteiras estaduais, atraindo até mesmo aqueles de fora do estado.

Observava-os com uma indiferença calculada, o meu olhar frio e distante mal registrando a significância daquela reunião. Não havia surpresa, nem interesse em minha parte; apenas a constatação de que, mesmo em momentos de luto, os jogos de poder e influência continuavam a ser jogados. A presença deles, supostamente em respeito ao meu nome, não me provocava sentimentos de orgulho ou de satisfação. Era apenas mais um detalhe no cenário do dia, um fato a ser arquivado junto a tantos outros em minha memória, enquanto eu permanecia isolado em minha própria fortaleza de isolamento e reserva.

De repente, olhamos para a direção oposta. Paulie, ao meu lado, parecia surpreso, um vislumbre de incredulidade em sua voz enquanto comentava.

— Nunca imaginei que eles viriam aqui, Harvey — ele se referia aos russos, cuja presença no mesmo espaço que a máfia italiana de Scangalero e seus seguidores era algo raro, quase um tabu não declarado.

Mas lá estava Vladmir Petrov, inconfundível com seu buquê de rosas negras — um símbolo macabro apropriado para velórios, uma demonstração calculada tanto de respeito quanto de poder, refletindo a influência de sua famigerada floricultura na Virgínia e além.

Quando Vladmir se aproximou, não tive outra opção senão observar, mantendo minha expressão inalterada, enquanto ele depositava as flores ao redor do caixão de Dana. Meus olhos, protegidos pelos óculos escuros, não buscaram os dele, e nenhuma palavra de gratidão me escapou. Vladmir, talvez esperando algum reconhecimento de minha parte, ofereceu suas condolências com um veneno sutil em sua voz, um aviso das tensões não resolvidas entre nós.

— Que este gesto simbolize a continuidade da paz entre nossas famílias, — disse ele, embora o subtexto carregasse um peso muito diferente. Sem esperar por uma resposta, ele se retirou, deixando-me com a fria indiferença que tinha se tornado minha companheira constante, um escudo contra as complexidades das alianças e inimizades que moldavam nosso mundo.

— Estamos aqui reunidos não apenas para dizer adeus a Dana, mas para celebrar a vida que ela viveu, os momentos que compartilhou conosco e o amor que ela espalhou. A morte, embora seja a sombra que todos nós, em algum momento, devemos enfrentar, não é o fim, mas uma transição para um lugar onde não há dor, nem sofrimento.

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