19º Capítulo

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HARVEY

Assim que o avião decolou rumo a Norfolk, me deparei imerso em uma maré de pensamentos em torno da Abby. O céu escuro lá fora refletia a as sombras interiores que eu sentia, cada nuvem passando como um Vortex do peso que agora carregava nos ombros. Não conseguia parar de pensar se de alguma maneira eu era responsável pelo que havia acontecido. Talvez, se eu tivesse agido de forma diferente, se nossos caminhos tivessem se desviado em outro ponto, ela ainda estaria bem.

Esse sentimento de culpa me consumia, uma culpa que não sabia como apaziguar. Abby tinha sido uma parte significativa da minha vida, de uma maneira complicada e tumultuosa, e agora, tudo o que restava era o vazio de sua ausência e as perguntas sem resposta do que realmente aconteceu com ela naquele acidente trágico. Ao chegar à cidade após longas horas de voo, fui recebido por Marlene, que me esperava no hangar com uma expressão não muito agradável, refletindo as profundas preocupações que tinha sobre o futuro dos meus negócios — e, indiretamente, sobre o meu próprio destino.

— O que aconteceu? — indaguei, fixando o olhar nos olhos de Marlene. Havia sempre nela uma maneira singular de instigar minha inquietação.

— Um acidente, a uns seis quilômetros daqui. Parece que ela perdeu o controle na curva, o carro capotou várias vezes — relatou Marlene, com uma voz que carregava o peso da notícia, — Harvey, sem aquele muro de contenção, teria sido o fim, o carro teria despencado desfiladeiro abaixo. Provavelmente não sobreviveria.

— Mas isso não aconteceu — rebati, a amargura já tingindo minha fala. — Ela estava deixando a cidade, não estava?

— Sim, estava. Encontraram malas no carro. Ela fugia de Norfolk, pelo que consegui apurar, saiu em pânico — continuou Marlene, sem desviar a atenção do notebook enquanto nosso veículo avançava em direção ao hospital. — Harvey, prepare-se para o furor da Sra. Armstrong. Seu nome era o único que ela pronunciava.

A informação desceu como um bloco de chumbo. Lidar com a mãe de Abby nunca fora tarefa fácil, principalmente quando os holofotes se voltavam para mim. Ansiedade e preocupação começaram a fazer minha cabeça girar.

— Como ela está? — A ansiedade transbordava em minha voz.

— Em estado grave. Escoriações por todo o corpo e a cabeça... foi como se tivesse se aberto. Por um fio, os médicos conseguiram estancar o sangramento. Há o risco de ela perder a memória, ainda não sabemos se será um estrago permanente ou temporário.

— Meu Deus! — Minha voz saiu num sussurro, enquanto o peso da situação começava a se assentar sobre meus ombros. — E o paradeiro de Paulie? Ele, sem dúvida, faria o impensável, você está ciente, certo? Abby foi a voz por trás da denúncia contra a Golden Barrel. Aquela infeliz denúncia anônima. Por precaução, convenci-o a se distanciar, a fugir da cidade.

Marlene demonstrou desconforto com minhas palavras.

— Não tenho certeza se Paulie iria tão longe a ponto de tirar a vida de Abby, sim, eu sei que é o Paulie, mas, até que os resultados da perícia sejam revelados sobre o carro, minha certeza se esvai, Harvey. Ele demonstrava preocupação ao te ligar.

— Preocupado consigo mesmo, sem dúvida — retruquei, minha irritação se fazendo presente na voz., — mas a verdade é que estamos todos no escuro.

— É essa a realidade, Harvey — ela assentiu, selando parte do diálogo com uma confirmação sombria. — Contudo, questiono-me: sua inquietação decorre do estado de Abby ou da turbulência que isso implica nos negócios? — Marlene me confrontou com uma pergunta cortante, que me atingiu em cheio. Optei pelo silêncio, um aliado em tempos de tumulto interior, especialmente quando o carro finalmente estacionou diante do hospital.

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