5º Capítulo

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HARVEY

Quando você acorda em uma manhã que não deveria ser sua, com a cabeça latejando como se um batalhão inteiro tivesse marchado sobre ela durante a noite, você começa a questionar as escolhas que o levaram até ali.

A luz do sol, filtrada pelas persianas, lançava listras de realidade sobre o ambiente que eu preferiria manter nas sombras. O cheiro de whisky e tabaco ainda pairavam no ar, pesado o suficiente para se sentir como um manto invisível. A neblina lá fora, visível através da janela entreaberta, parecia um reflexo do redemoinho dentro de minha cabeça, uma névoa de pensamentos e lembranças que eu daria qualquer coisa para dissipar.

Peguei o celular, digitando rapidamente uma mensagem para o Paulie, pedindo que nos encontrássemos com a Lena. Sem perder tempo, me dirigi ao banheiro, tirando as roupas enquanto me encarava no espelho. A imagem refletida mostrava um homem que eu mal reconhecia, marcado pelo cansaço e pelas decisões que pesavam sobre meus ombros.

Entrei debaixo do chuveiro, permitindo que a água fria caísse sobre mim, um alívio momentâneo que afastava as lembranças e as dores, pelo menos por aquele instante. Era um ritual de purificação, mas sabia que não apagaria as marcas deixadas por uma noite de reflexões sombrias e revelações dolorosas.

Enquanto me dirigia ao meu carro, o meu olhar percorria a grama verde, cada instante um reflexo da observação meticulosa de um chefe observando seu território. Ao partir, um olhar discreto se voltava para o vizinho e para o imponente Rio Lafayette, cujas águas remexiam memórias de dias vibrantes.

Memórias de churrascos sob o céu aberto, risos compartilhados, e a união familiar agora pareciam ecos distantes, fragmentos de uma existência outrora repleta de comando e vigor. Cada cena se desenrolava como um filme, onde as alegrias passadas emergiam como lembretes da realidade inexorável que agora se impunha, marcando o contraste com a tranquilidade da manhã e o silêncio introspectivo que me envolvia.

Ao chegar no escritório da cidade, localizado em um prédio onde a parte administrativa da Golden Barrel operava, notei a picape do Paulie estacionada um pouco distante. Logo adiante, vi Lena sentada na parte do café da empresa, parecendo esperar por mim. O sol da manhã lançava uma luz amena sobre ela, destacando sua presença.

— Bom dia — cumprimentei, tomando assento à sua frente, uma sombra de formalidade pairando no ar. — Achei que encontraria Paulie aqui.

Voltei o olhar, sondando o ambiente com discrição.

— Ele se recolheu aos assuntos com Alfred, lá em cima. Como você sabe, Paulie e eu não nos entrosamos quando deixados a sós. — Ela retrucou, a sua voz denunciava um peso que esperava que eu compreendesse.

E eu compreendia, profundamente. A relação entre Lena e Paulie era um campo minado, marcado por divergências e desentendimentos, mas unidos por um objetivo comum: fazer dinheiro.

— Então, confirmou-se, Londres? — Indaguei, meio esperançoso de que houvesse algum equívoco.

— Lamentavelmente, sim. Fiz algumas chamadas para o Porto de Boston. Eles confirmaram que o cargueiro está de fato a caminho de Londres. Deve zarpar nos próximos dias — ela confirmou, selando o destino daquela operação com a inevitabilidade de um decreto.

Ao absorver a certeza de Lena sobre Londres, senti a pressão se apossar de mim.

— As fiscalizações em Londres são conhecidas por sua severidade, ultrapassando em rigor as de Portugal, Espanha ou Albânia, territórios mais familiares à nossa atuação. Lena, qual a é probabilidade de nossas mercadorias serem capturados pela alfândega? — Indaguei, plenamente consciente do peso da situação.

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