SIDNEY
— Você parece nervoso — falei, enquanto permanecia em pé atrás da cadeira onde Harvey estava sentado em frente ao espelho. — Tem certeza de que quer fazer isso?
Ele confirmou, rindo de nervoso. Continuei olhando para ele, buscando algum vacilo seu, ou até mesmo algum sinal de desistência, mas ele parecia firme em sua decisão. A capa ao redor de seu corpo fazia com que ele parecesse alguém que fazia parte do circo; uma daquelas pessoas que servem de cobaias para os truques de mágica que sempre parecem dar certo no final.
— Há quanto tempo você não corta o cabelo? — perguntei, pescando a tesoura na cômoda atrás de mim.
Ele deu de ombros, indeciso.
— Não tem muito tempo, eu acho; nem está tão comprido assim, está?
— Não. Mas eu gostaria muito de saber quem foi o sortudo que teve a sorte de poder encostar nos seus cabelos sem ouvir uma série de xingamentos por isso.
Ele riu, balançando a cabeça. Eu estava exagerando, é claro, mas Harvey nunca gostou mesmo que encostassem em seus cabelos, o que é óbvio que não se estendia a mim, que podia fazer isso sem ter que pedir antes, ou sem causar nele irritação alguma.
— Deve ter sido algum barbeiro no centro, eu não me lembro agora, Sid.
— Certo — concordei, separando os fios em pequenas mechas, disposta a cortar um pouco por vez até ter o resultado desejado. — Você está preparado?
— Sim, Sidney Mãos de Tesoura, eu estou preparado para qualquer desastre que você esteja prestes a causar em meus cabelos.
Gargalhei ao ouvir aquilo, abrindo e fechando a tesoura em um gesto ameaçador. Aquela não era a primeira vez que eu cortava os cabelos de Harvey, mas a primeira vez que isso aconteceu havia sido há tanto tempo que era como se eu o tivesse feito em outra vida.
— Será que você é como aquele homem da Bíblia que tinha toda a força em seus cabelos? Como era mesmo o nome dele...? — perguntei, tentando me lembrar.
— Sansão? — Harvey perguntou, rindo.
— Ele mesmo! — falei, pronta para cortar a primeira mecha. — Vamos ver onde é que está a sua força, Harvey Clifford...
Os primeiros fios dourados caíram no chão, levando consigo pedaços de uma história que ainda estava sendo escrita, dando lugar a um novo ciclo que deveria ser vivido a partir daquele dia. Harvey permanecia com o semblante inalterado enquanto me assistia reduzir em pelo menos três ou quatro dedos de seus cabelos abastados e bonitos, o que me levava a pensar que ele já queria fazer aquilo há muito tempo.
— O que você está achando? — perguntei, quando já estava perto do fim.
— Você ainda leva jeito para a coisa — ele disse, sorrindo.
— Já se sente fraco, sem forças nem para levantar dessa cadeira? — perguntei, rindo.
— Tão derrotado quanto o pobre Sansão! — ele respondeu, colocando a mão direita para fora da capa, gesticulando como se estivesse cortando o próprio pescoço fora.
— Ótimo, parece que enfim estou atingindo os meus objetivos para este final de semana!
Harvey sorriu, aproveitando que eu estava ao seu lado para passar o braço em volta da minha cintura, gesto esse que revelava uma intimidade que nunca havíamos perdido. Na maior parte do tempo, principalmente no que se referia a nós dois, Harvey era um homem carinhoso e espirituoso, do mesmo jeito que havia sido no passado. A segurança que eu sentia ao lado dele parecia não existir em lugar algum do mundo, e tinha medo do que estava à nossa espreita; eu tinha medo do nosso amanhã, e estava custando a admitir isso para mim mesma.
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Vortex
RomanceImpelida a afastar-se de sua carreira como agente do FBI, Sidney Pryor retorna à sua cidade natal disposta a recomeçar sua vida. Contudo, o destino a reconduz ao epicentro do vórtex que acredita nunca ter deixado. Envolvida em um redemoinho de amor...