21º Capítulo

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SIDNEY

A casa de Harvey, quase um santuário que ele havia construído para si mesmo, não tinha nada a ver com aquilo que eu havia imaginado. Apesar de estar localizada em um dos melhores bairros de Norfolk, tendo uma vista privilegiada do rio Lafayette, ele parecia um grande fã da simplicidade e discrição. Sequer havíamos deixado a sala ainda, e eu já sabia que o restante da casa seguia o mesmo padrão. Móveis bonitos e planejados para dar a ele a praticidade de que precisava para viver, mas nada neutro o bastante para fingir que ninguém morava lá.

Duas portas francesas abriam caminho até a cozinha, onde uma ilha bonita e bem equipada ocupava o centro do cenário, indicando que era ali onde a mágica da noite aconteceria. Harvey sumiu em um corredor bem iluminado, voltando segundos depois com uma garrafa de vinho e duas taças.

ー Se importa de abrir o vinho enquanto eu vou lá em cima buscar uma coisa? ー perguntou, notando a minha curiosidade com toda aquela decoração.

Neguei, dando a volta na ilha para me ocupar com aquela tarefa. Servi um pouco de vinho em cada uma das taças e saí andando pelo cômodo, esperando que ele voltasse para que enfim pudéssemos conversar. Apesar de a casa ser grande o suficiente para acomodar uma família inteira, tudo dentro dela parecia exalar uma enorme satisfação em ter apenas um único ser para desfrutar de toda aquela comodidade.

Algumas fotos presas na porta da geladeira mostravam a família de Harvey; seu filho e aquela que supus ser a sua ex-mulher. O garotinho se parecia com ele, e imediatamente senti um aperto no peito ao imaginar o que aquela perda havia causado em Harvey, que parecia sentir muito mais do que demonstrava. Decidi não perguntar nada a respeito daquilo logo de cara, temerosa de que isso fosse o suficiente para azedar o clima daquela noite, e também porque eu tinha a certeza de que ele mesmo falaria sobre o assunto se quisesse.

ー Eu trouxe isto para você ー ele disse, entrando na cozinha de repente. Quando me virei, ele estava segurando um casaco grosso o suficiente para aplacar até mesmo o frio que eu poderia sentir na estação que viria a seguir.

Sorri em agradecimento, tirando a peça da mão dele. Notei a sua afetação ao perceber que eu estava bisbilhotando suas fotos com seu filho, mas como era ótimo em fingir os próprios sentimentos, ele apenas deu a volta na ilha e seguiu para o forno, onde o jantar parecia aguardar a sua vez de entrar em cena.

ー Obrigada ー falei, me vestindo o mais depressa possível.

ー Espero que ainda goste de costela ao molho barbecue ー disse, retirando um refratário de porcelana de dentro do forno com a ajuda de uma luva térmica. ー Eu fiz o que pude para replicar o prato que você mais pedia no Dandelion's quando ainda éramos pirralhos.

ー Faz muito tempo que eu não como isso, Harvey ー admiti, sorrindo ao ver que ele realmente havia se dedicado para aquela tarefa. ー Está com uma cara ótima!

Ele jogou a luva sobre a bancada e riu, balançando a cabeça negativamente.

ー Está falando de mim ou da costela de porco?

Revirei os olhos, empurrando a taça meio cheia em sua direção, convidando-o para beber comigo.

ー Claramente eu estou falando da costela.

ー Eu devia ter imaginado.

Harvey segurou sua taça e a deteve a meio caminho dos lábios, me encarando enquanto fazia isso. O clima dentro daquela cozinha parecia implorar para que finalmente deixássemos as armas de lado e aproveitássemos a companhia um do outro, mas a grande verdade é que ambos sentíamos um medo absurdo do que aquela noite poderia causar em nós dois.

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