11º Capítulo

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HARVEY

Ao deixar o escritório e atravessar a sala, um objeto inesperado capturou minha atenção justamente quando estava prestes a sair para a calçada: uma caixa posicionada de forma quase reverente perto da porta. Essa visão simples, por algum motivo, disparou uma conexão direta com o passado, com um lugar específico onde costumava me refugiar, o único que trazia à mente a lembrança de alguém que, de certa forma, ainda ocupava um espaço em minha consciência naquele momento.

No entanto, essa viagem ao passado foi desprovida de qualquer nostalgia; encarei aquele projeto de bolo e as memórias que ela evocava com um desprezo. Era apenas mais um gatilho de um tempo que já não existia, de uma pessoa com quem eu já não compartilhava minha vida. Sem permitir que a nostalgia tomasse conta, foquei em manter a distância emocional que se tornara minha segunda natureza, um muro entre o agora e tudo o que já foi.

Agarrei a caixa com uma aversão que me surpreendeu, confrontado por um mal-estar profundo e indefinível que se instalou em mim desde aquele reencontro inesperado na farmácia. Ao abri-la, o Red Velvet, tão distintivo do Dandelion's, me confrontou, um eco vívido de um passado que, por um breve momento, se tornou impossível de ignorar.

Mas, mais uma vez movido por um ímpeto quase selvagem, rapidamente fechei a caixa. Com passos determinados, dirigi-me ao meu carro, depositando a caixa ao lado do assento do motorista. Então, sem hesitar, pus-me a caminho do único destino que, naquele momento, parecia conter algum significado sobre o futuro que me aguardava.

Ao me aproximar da grande mansão da família Armstrong, uma estrutura opulenta que o pai da Abby fazia questão de manter impecável, renovando-a a cada seis meses, notei uma presença discreta do outro lado da rua. Um carro, estacionado a uma distância calculada, demasiadamente familiar para ser ignorado. Era do tipo que Paulie frequentemente utilizava em operações que exigiam discrição.

Desci do meu carro com cautela, movendo-me com uma destreza que raramente empregava fora do âmbito dos meus negócios. À medida que me aproximava, a tensão em Paulie era gigantesca, mesmo à distância. Não havia espaço para sentimentalismos ou devaneios; apenas o reconhecimento de que algo estava fora do lugar, algo que exigia minha atenção imediata e a ação desenfreada que se seguiria.

Ao perceber minha aproximação, a expressão severa de Paulie permaneceu inalterada. Com movimentos metódicos, ele ajustava o silenciador em sua 9 milímetros, lançando-me um olhar que deixava claro: nenhuma palavra que eu dissesse alteraria sua visão das coisas. Vestido com luvas negras, um terno da mesma cor, e a pistola em mãos, marcando seu domínio, Paulie se tornava a encarnação viva de um inevitável acerto de contas.

— Paulie — sussurrei com urgência, posicionando-me firmemente diante da porta, antecipando qualquer movimento brusco dele. — O que te traz aqui?

— O que você acha, Harvey? — Ele respondeu, acionando o gatilho de forma teatral, como se aquilo fosse, por si só, uma explicação. — Eu estou aqui para fazer o que você não tem estômago para realizar.

— Você está falando de matar minha esposa, Paulie? — Minha voz continuo firme, tentando mascarar o tumulto interno, enquanto bloqueava a entrada com meu corpo.

— Estou aqui para proteger nossos interesses, Harvey. Afinal, alguém tem que fazer o trabalho sujo no nosso mundo de negócios, não é mesmo? — Ele testou a maçaneta, mas eu a impedi com toda a força que tinha.

— Deixe isso comigo! Estou mandando, Paulie! É uma ordem! Isso é uma maldita ordem! — Eu disse, tentando impor alguma razão à situação, embora soubesse ser um esforço vão.

Um sorriso sarcástico se formou em seus lábios, um gesto que me repugnava profundamente. Era típico de Paulie resolver as coisas à sua maneira, desconsiderando as consequências.

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