10º Capítulo

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SIDNEY

Três batidinhas na porta me arrancaram de dentro dos meus pensamentos. Havia um ponto fixo do lado de fora daquela janela que havia se tornado o meu preferido desde que eu havia plantado os meus pés naquele canto em específico da sala. Eu não conseguia deixar de pensar em Dana Savage e no que a morte dela significava para todas as coisas que eu havia deixado para trás dezesseis anos antes.

Desde que a conheci, mantive em minha mente a imagem dela associada a de uma rocha, tanto pela força que ela tinha diante de todos os problemas que sua família enfrentava quanto pela dureza em seu jeito de falar e agir. Dana não tinha o costume de usar meias palavras para dizer o que queria; ela ia direto ao ponto, cutucava fundo as feridas de todos ao seu redor, mesmo daqueles a quem ela amava.

Quando fomos apresentadas, eu lembro de passar por um longo interrogatório feito por ela, querendo saber quem eu era; quem eram os meus pais e o que eles faziam da vida; quantos irmãos eu tinha; o que queria fazer após a escola, e principalmente, o que eu estava fazendo com alguém como o filho dela, a quem ela se referia carinhosamente como projeto de homem que estava fadado ao fracasso.

Eu não concordava com as palavras dela, e mesmo sendo sempre muito bem tratada por ela quando a encontrava, sempre achava dolorosa a maneira com a qual ela lidava com tudo ao seu redor. Longe de mim estar julgando alguém que já estava morta àquela altura do campeonato, mas será que custava muito para ela tratar o próprio filho com um pouco mais de amor quando isso era visivelmente tudo o que ele precisava?

— A sua tia passou aqui e deixou isto para você — Bruno informou, entrando em minha sala munido de um cabide envolto em uma capa de plástico e uma sacola de papel onde ela informou que colocaria os sapatos que eu havia escolhido para a ocasião.

Andrea havia pensado em tudo. Enquanto eu conseguia apenas me enxergar dentro de um labirinto, presa na companhia de todas as histórias a respeito de quem havíamos sido no passado, ela estava em casa, planejando as roupas com as quais iríamos ao cemitério oferecer as nossas condolências a pessoas que sequer nos queriam por perto.

— Obrigada, Bruno — falei, saindo de perto das janelas, onde eu já estava há muito tempo mergulhada num torpor terrível que parecia tomar conta de cada canto do meu corpo.

— Você não me parece bem — ele observou, preocupado.

— E eu não estou — falei, dando a volta em minha mesa para verificar se Andrea havia levado o vestido certo.

— Posso fazer alguma coisa por você?

Neguei, tentando mantê-lo longe daquela parte da minha vida.

— Eu vou ficar bem, Bruno. Tenho que ir ao enterro de uma pessoa conhecida da minha família daqui a pouco; a notícia me pegou um pouco desprevenida, então eu ainda estou tentando assimilar tudo.

— Eu lamento, Pryor — ele disse, sério. — Nunca é fácil perder pessoas próximas.

— Ah, nós não éramos tão próximas assim. Eu convivi com ela durante algum tempo quando ainda era adolescente, mas isso já tem tantos anos que é como se eu nem a conhecesse mais.

— Entendo — ele disse, sorrindo de forma acolhedora. — Bem, Pryor, se precisar de alguma coisa, sabe onde me encontrar.

Concordei, e num estalo, numa tentativa de não perder a cabeça naquele momento, pensei que seria uma boa ideia poder contar um pouco mais com a amizade de Bruno, que vinha se mostrando uma pessoa extremamente compreensível com os meus problemas sempre tão esquisitos.

— Bruno? — chamei, vendo-o ir até a porta.

— Sim, Pryor?

— O que vai fazer agora?

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