SIDNEY
É impressionante como o tempo parece congelar algumas coisas em nossa memória. Dezesseis anos não são o suficiente para que o cheiro ou a sensação dos dedos de uma determinada pessoa roçando em sua pele desapareçam por completo. O tempo não varre certas coisas para debaixo do tapete apenas porque você implora a ele que faça isso; é ele, junto do ótimo trabalho da nossa memória, quem decide como e quando as coisas irão acontecer.
Dar o play naquelas gravações contidas no DVD que recebi de Evelyn mais cedo, foi como implorar para que o tempo me devolvesse tudo o que havia roubado de mim por tantos anos. Harvey Clifford estava mais vivo do que nunca em cada compartimento que dediquei a ele em minha memória; embora fosse difícil admitir isso por conta de todo o orgulho que havia ficado entre nós desde que fui embora de Norfolk, eu já não me sentia mais capaz de negar.
ー Sid, querida, quantas vezes mais você pretende assistir a esse DVD hoje? ー Andrea perguntou, parada junto ao batente da porta do quarto onde eu dormia.
ー Eu não sei ー falei, com os olhos vidrados na tela do laptop, hipnotizada com as imagens de dois jovens se divertindo junto ao piano do restaurante naquela véspera de Halloween tantos anos antes. Enquanto um deles arranhava as notas de Don' Cry junto às teclas do instrumento, o outro cantava, de maneira tímida, mas bem o suficiente para hipnotizar todos os demais clientes que ocupavam as mesas ao redor do salão naquela noite. ー Meu Deus, tia, a gente era tão jovem!
ー E apaixonados ー Andrea lembrou, sorrindo. Ela voltou a se aproximar da cama, exatamente como havia feito minutos antes, quando foi até lá para conferir quantas vezes eu já havia dado replay naquelas gravações cedidas por Evelyn.
Na tela, Harvey sorria para mim enquanto cantava. Havíamos acabado de receber uma explosão de aplausos de todos que nos assistiam, e eu tinha certeza de que nunca mais nos divertimos tanto quanto naquela noite, quando tudo o que tínhamos era um ao outro e uma certeza mais do que latente de que ninguém nunca iria nos separar. Estávamos enganados. Redondamente enganados.
ー Eu cometi um erro ao deixar aquele bolo na varanda da casa dele ー admiti, finalmente me dando conta de que já não éramos mais aqueles dois adolescentes que tocavam piano juntos e cantavam uma música da qual gostavam muito. O tempo havia borrado a imagem daqueles dois para dar lugar a seres mais complexos e cheios de ramificações traçadas pela vida e por suas próprias experiências. ー Não posso voltar para casa agora e imaginar que tudo voltará a ser como antes, posso?
ー Não, você não pode, Sid. Mas também, eu não acho que o fato de você ter feito isso indique um desejo de se reconciliar com ele, e sim que você estava tentando dizer que sentia muito pela morte da mãe dele, embora eu ache que isso pouco importe agora, já que ele parece guardar muita mágoa de você mesmo após todos esses anos.
ー Mas quem pode culpá-lo por isso? ー perguntei, decidida a deixar aquele DVD para lá. Baixei a tampa do laptop e o deixei de lado por alguns instantes. ー No lugar dele, eu me sentiria da mesma forma.
Andrea balançou a cabeça de maneira negativa, discordando de mim. Senti seus dedos tocarem os meus cabelos enquanto ela pensava no que me dizer.
ー Você sabe que é incapaz de odiá-lo, Sidney, mesmo se ele é quem tivesse sido obrigado pelo próprio pai a ir embora naquela época. Conhecendo você como eu conheço, eu não estaria errada em supor que no lugar dele, você tentaria entender a situação e daria um jeito de encontrá-lo novamente no futuro, quando todos os empecilhos que os atrapalharam no passado já não existissem mais. É assim que você é, afinal das contas, e é uma pena que ele não consiga agir da mesma forma.
ー Acha que ele algum dia tentou me encontrar? ー Aquela era uma pergunta para a qual eu não sabia se queria mesmo obter uma resposta. ー Digo, eu sei que eu prometi que voltaria, mas se ele me amasse mesmo da maneira como sempre fez parecer, ele teria ao menos tentado, não é?

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Vortex
RomanceImpelida a afastar-se de sua carreira como agente do FBI, Sidney Pryor retorna à sua cidade natal disposta a recomeçar sua vida. Contudo, o destino a reconduz ao epicentro do vórtex que acredita nunca ter deixado. Envolvida em um redemoinho de amor...