HARVEY
Naquela tarde de domingo, sob a sombra de circunstâncias amargas, eu me vi ao lado de Paulie, uma presença que, considerando os eventos tumultuados da noite passada, beirava o absurdo. Ainda assim, lá estávamos nós, unidos por laços inquebráveis forjados no calor de inúmeros problemas. Havia em Paulie um respeito que eu não apenas reconhecia, mas também valorizava profundamente. Suas palavras, embora duras, tinham um peso de verdade e honra que não podiam ser ignorados.
Após deixarmos o refúgio solitário de Paulie, cruzamos caminhos com Cerbeone, um sujeito corpulento, quase rivalizando com minha estatura, ostentando cabelos grisalhos meticulosamente puxados para trás. Seu cumprimento, um beijo na face, ressoava as tradicionais formalidades italianas, uma cortesia que remetia à irmandade dos Miseráveis de Florença. Nos sentamos a mesa onde eles costumavam jogar baralho e fumar charuto.
— Cerbeone, mantenha seus homens longe da Clifford's — declarei, enquanto sacava um cigarro do bolso. Cerbeone me ofereceu um sorriso forçado, quase um esgar.
— Peço desculpas, Harvey. Assim que soube, dei um bom trato no Tonny. Não é nossa intenção macular a reputação de sua boate. Esteja certo disso — seu tom de sinceridade provava a cautela estratégica.
Concordei, lançando um olhar breve em direção a Paulie, que mantinha sua expressão neutra.
— Aprecio seu respeito — repliquei, com uma frieza calculada, a qual ele respondeu com mais um sorriso amarelado, revelando uma fileira de dentes perfeitamente alinhados.
— Harvey, ainda penso que nossos empreendimentos poderiam se beneficiar um do outro, — Cerbeone prosseguiu, antes de mudar de assunto abruptamente. — Como vai Abby?
— Estamos nos divorciando — confessei, pensamentos daquela noite tumultuada assombrando minha mente. Paulie, por sua vez, desviou o olhar, claramente desconfortável.
— Ah, conflitos matrimoniais, lamentável, Harvey. Mas vejo isso como uma oportunidade para fortalecermos nossos laços comerciais em Detroit — Cerbeone sugeriu, com um otimismo quase persuasivo.
— Sem chances, Gali — cortei, sem espaço para negociações.
— Harvey, pense bem... poderíamos unir nossas famílias de maneira... produtiva. Tenho sobrinhas encantadoras, as quais tenho certeza de que você apreciaria em sua cama — sugeriu, com uma malícia velada, acenando discretamente para um de seus homens.
Este, prontamente, adentrou o estabelecimento e, em pouco tempo, regressou acompanhado por uma jovem que sorria timidamente, uma oferta viva da proposta indecorosa de Cerbeone.
— Oi, Harvey — ela disse, acomodando-se em meu colo com uma naturalidade que me perturbou profundamente. A consciência da frágil aliança entre minha família e os Cerbeones, e até mesmo com os Scangalero, estava clara, mas a extensão de seu desespero me surpreendeu.
— Seria possível levantar-se do meu colo, por gentileza? — Pedi, com um tom que buscava ser pacífico, mas firme, para transmitir minha insatisfação a Gali. A jovem, cuja idade sugeria que mal havia deixado a adolescência para trás, levantou-se com um vislumbre de descontentamento em seu rosto.
Cerbeone, imerso na fumaça de seu charuto cubano preferido, apenas sorriu, sem perder o ar de superioridade.
— Poliana, aqui presente, é uma jovem de valor inestimável, Harvey. Herdou a tenacidade de sua mãe e possui a habilidade de satisfazer as necessidades de um homem de maneira exemplar — propôs Cerbeone, insinuando uma união mais estreita entre nossas famílias. — Imagine o que poderíamos construir juntos em Florença, a joia da Itália.

VOCÊ ESTÁ LENDO
Vortex
RomanceImpelida a afastar-se de sua carreira como agente do FBI, Sidney Pryor retorna à sua cidade natal disposta a recomeçar sua vida. Contudo, o destino a reconduz ao epicentro do vórtex que acredita nunca ter deixado. Envolvida em um redemoinho de amor...