Parte 38

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- S/N, filha ... posso entrar? - escutei ao longe a voz da minha mãe e revirei-me na cama incomodada.

Percebi que havia sido despertada de um sonho tranquilizante, onde eu me sentava a beira de um lago e ficava ali, observando os pequenos peixes se mexerem, de um lado para o outro, aparentemente sem sentido nenhum ... só viviam, os pobrezinhos. As cores eram tão nítidas. O céu perfeitamente azulado, rabiscado com nuvens brancas que cegavam minha visão, se olhasse diretamente para elas. O lago era tão transparente, que se a água não estivesse se movendo, juraria que não tinha nada ali. O vento fresco aliviava o calor confortável do sol e estava tudo tão ... em paz.

- S/N ... S/N ... está dormindo, filha? - a senti adentrar com cautela no quarto, falava baixinho como se não quisesse me perturbar, mas não tinha como não perceber um senso de preocupação em sua voz.

Em segundos, dei-me conta novamente da realidade. Era como se a mente despejasse todos os milhares de fatos que aconteceram nos últimos tempos, tudo de uma vez. Virei-me apreensiva para o lado da cama em que ele deveria estar e não o encontrei. Senti um vazio esquisito.

Percebi então que já estava escuro lá fora. Provavelmente saiu assim que peguei no sono. E por um lado isso foi bom. Seria muito constrangedor se minha mãe nos pegasse na cama daquele jeito ...

- Mãe, não te disse pra bater antes? ... - resmunguei como se tivesse culpa no cartório.

- Eu bati, filha, várias vezes. Me perdoe, mas tive que entrar, você não respondia. E sabe como fico preocupada quando você não responde.

O quarto estava pura penumbra e só vi o vulto da minha mãe fechando a porta atrás de si delicadamente. Aproveitei para me sentar, num gesto silencioso para que se aproximasse.

- Que horas são? - me sentia injuriada e, ao mesmo tempo, um tanto culpada.

Quanto tempo fazia mesmo que não via o rosto dela? Quando foi a última vez que conversamos? Quando foi mesmo a última vez que estive com meus pais, fazendo ... sabe ... coisas em família?

- O jantar está quase pronto, são quase sete. - aproximou-se, acendendo a luminária do criado-mudo e se sentou ao meu lado. - Você dormiu a tarde toda, meu bem? - preocupada passou a mão em meu rosto, arrumando meus cabelos. - Você bebeu? - exclamou incrédula.

- Mãe ... - resmunguei de novo, me afastando um pouco. Não só notou o fedor de álcool que meu corpo exalava, como os olhos inchados devido ao choro.

- Sabe a mãe da Srta. Lee? - se ajeitou mais ao lado da cama. - Hoje fui ao mercado, depois do almoço, e a encontrei lá. Ela veio toda em alvoroços até mim, fazendo questão de me contar horrorizada que você tinha sido demitida do hospital. - me olhava preocupada. - Sabe, eu não acreditei, aquela mulher às vezes é muito exagerada, assim como a filha dela ...

- É verdade, mãe. - devolvi rapidamente, cortando-a.

A vi exclamar muda, levando ambas as mãos à boca, chocada.

Como as notícias voavam rápido pela língua afiada daquela recepcionista de merda. Nesse exato momento, devia estar jogando seu charme ridículo para cima do Yusuke, falando sabe lá o quê sobre mim para ele e para a equipe. Maria fifi dos infernos!

- S/N ... mas por quê?

- Ah, mãe ... - me sentia tão cansada de toda essa história que não sabia nem por onde começar.

Não podia contar-lhe a verdade, que meus serviços como médica haviam sido colocados de lado para que eu me dedicasse à uma missão kamikaze. Se ela ficou horrorizada pela minha demissão, imagina se soubesse sobre a periculosidade da missão. Droga!

Não estava preparada para ser confrontada sobre isso, não sabia o que dizer!

- Foi por causa do Yusuke? - terminou deduzindo, já que não lhe dava uma resposta. - Sabe, aquela bruxa deu a entender que vocês brigaram ...

Encarei-a com os olhos cheios de lágrimas, sentindo tudo vir à tona de novo. Me recordando da nossa conversa no hospital, do choro pela chance que tivemos que cortar pela raiz.

Minha mãe o adorava. Vivia arranjando desculpas para colocá-lo dentro de casa, usando seu porte físico para ajudá-la com alguma tarefa pesada. Brincava que ele seria o melhor genro do mundo, para horror do meu pai, que se contorcia na poltrona da sala, enfiado em seu jornal.

Há pouco tempo, estava tão entretida em minha carreira médica que nem dava bola para as coisas que minha mãe falava. Agora, olhando para trás, lembro-me de vê-lo corar e sorrir encabulado para mim quando minha mãe sugeria esse tipo de coisa.

A tristeza em meu coração era enorme, mas as coisas estavam um pouco mais claras. Sentia um pesar tremendo pelo futuro que me foi arrancado. Essa coisa de ser uma pessoa comum, ter uma carreira, casar, ter filhos ... isso me doía a alma. Não exatamente ficar ou não ficar com o Yusuke. Ele era incrível, mas meu coração havia escolhido outra pessoa.

- Ah, meu bebê ... - compadecida, veio me abraçando, tentando me confortar. - Não sabia que vocês já estavam juntos. Brigas de amor podem ter volta ...

- Não tem volta! - a cortei, meio chorosa, dizendo a única coisa que conseguia revelar sobre isso tudo. - Nada mais tem volta, mãe! - devolvi-lhe o abraço, me encolhendo no colo que me acolheu a vida toda.

- Claro que tem, meu bem! - riu com a sabedoria de quem já passou por muita coisa. - Sempre tem como reverter as co-  ... - se cortou, deduzindo algo que eu não esperava. - ... a menos que você esteja querendo dizer que ... - me afastou um pouco, me encarando séria. - Você não é mais virgem, filha?

- Que? ... Mããããeeeeee!!! ... - a pergunta me chocou.

- Vocês já transaram? - agora, além de séria, estava preocupada.

- Mããããããããeeeeeee!!! ... - corei, entregando tudo aos olhos atentos dela.

E não foi só isso que aqueles olhos flagraram. Os vi percorrer o lado da cama em que o Sr. Hatake se deitou como se enxergasse seu rastro, o canto do quarto onde seu colete e os sapatos estavam a poucas horas atrás e findar no parapeito da janela. Perdeu seu olhar por alguns instantes ali e isso me causou um arrepio diferente na espinha.

- Mãe? ... - chamei sua atenção para mim.

Foi nessa hora que vi seu semblante de mãe preocupada mudar, dando lugar a uma figura altiva que nunca tinha visto antes naquela mulher.

- Bom, você já deve ter percebido coisas estranhas acontecendo, não é? - trouxe o rosto mais perto do meu, como se fosse compartilhar um segredo. - Precisamos falar sobre a assinatura!

Treinamento Nível S - Kakashi HatakeOnde histórias criam vida. Descubra agora