Feliz 29

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Matthew

A casa estava toda decorada com balões coloridos, faixas brilhantes e arranjos de flores frescas. No canto da sala, uma mesa repleta de deliciosos petiscos e doces caseiros chamava a atenção de todos. No centro, um bolo de duas camadas, decorado com açúcar e um topo dourado com o número 29. Matthew encarou a vela, assistindo à dança do fogo por alguns segundos, antes de assoprar com força comedida, sentindo a pessoa ao seu lado fazer o mesmo. Talvez fossem velhos demais para isso, mas a verdade é que nunca se cansava de dividir o aniversário com seu irmão gêmeo. Mathias não era apenas um irmão, mas uma extensão de si mesmo.

— O que você pediu? — A voz de Mathias ecoou em seu ouvido em um sussurro animado sobre o som da salva de palmas ao redor.

— Continuar sendo o irmão mais bonito, como sempre. — A resposta lhe rendeu uma leve cotovelada no estômago.

Mathias pegou uma faca e começou a cortar o bolo, entregando o primeiro pedaço a sua mulher, que lhe agradeceu com um breve beijo nos lábios. Matthew se afastou dos dois e deixou que cortassem o resto.

A verdade é que não havia ninguém a quem ele daria um pedaço especial. Ali, naquela sala, estavam todas as pessoas importantes da sua vida, capazes de serem contadas pelos dedos de suas mãos. E mesmo assim, ele se sentia sozinho, e a cada ano que passava, esse sentimento de solidão se tornava cada vez mais familiar.

Matthew sabia que ainda era jovem e tinha toda a vida pela frente, mas estava em uma fase em que todos os seus amigos pareciam estar casados, casando ou tendo filhos. E o que ele tinha? Uma coleção de traumas e um coração partido. O relógio parecia avançar cada vez mais rápido, transformando anos em décadas. Quando pensava em 20 anos atrás, sua mente ia direto para 1980, e não para os anos 2000. Quando foi que tudo se tornou um borrão?

Matthew teve seu primeiro relacionamento amoroso aos 14 anos. O que se pode considerar um relacionamento nessa idade, foi rápido e com uma intensidade que parecia corroer sua alma. Ele evitava pensar em Oliver; não o culpava pelo que aconteceu, mas o passado era doloroso demais para ser revisitado. Eles eram dois jovens gays se descobrindo em uma cidade pequena, com pais conservadores. Um final trágico era inevitável. Depois disso, Matthew prometeu a si mesmo levar as coisas de forma mais leve, e conseguiu manter essa promessa por cinco anos.

Casos, e coração intacto.

Até que conheceu Brian, seu ex-noivo e atual melhor amigo. Ele amou Brian e sabia que sempre o amaria. Brian era especial demais para ser deixado no passado. Independente de quão estranho isso pudesse parecer para os outros, eles não iriam deixar a amizade mudar. Eles eram ex-namorados, mas agora eram amigos, e essa amizade era importante demais para Matthew.

Após o término, eles conseguiram manter um relacionamento completamente platônico. Já tinham se passado cinco anos desde o fim do namoro, e a estranheza inicial havia desaparecido. O amor que Matthew sentia por Brian havia mudado. Ele ainda o amava e faria qualquer coisa por ele, mas esse amor era mais fraternal agora. Ninguém entendia muito bem essa amizade; parecia impossível para quem conhecia a história dos dois aceitar que eles terminaram assim. Seus outros amigos, e até mesmo seu irmão, pareciam acreditar que um término só podia terminar em rancor e decepção.

Não iria dizer que não doeu acabar com Brian; foi facilmente um dos momentos mais decepcionantes da sua vida, principalmente por não ter sido uma decisão conjunta. O término deles não poderia ter sido mais unilateral. Brian não quis seguir com o casamento, mas queria Matthew em sua vida como amigo, se ele ainda aceitasse, e Matthew não teve dificuldade em aceitar. Brian estava feliz, e isso fazia Matthew se sentir bem.

Eles foram noivos por apenas alguns dias, mas tiveram um relacionamento de quatro anos. Hoje estavam há mais tempo como amigos do que já estiveram como namorados. Embora não fosse mais tão doloroso quanto foi na época do término, Matthew não queria passar por isso novamente. E desde então, reiniciou a programação.

Casos, e coração intacto.

— Por que essa cara? — ouviu a voz de Brian, trazendo-o de volta à realidade. Seus olhos azuis estavam curiosos, e o tom de voz, baixo e preocupado. Como ele poderia ter rancor de alguém como Brian? Ele era uma das melhores pessoas que a vida já lhe presenteou.

— Vontade divina — brincou. Ele tinha o costume de esconder seu desconforto com autoconfiança e sabia que seu rosto não estava denunciando sua melancolia, eram 29 anos de prática em esconder seus verdadeiros sentimentos afinal.

— Matt... — Brian era a única pessoa, além de Mathias, que conseguia enxergar além de sua máscara de arrogância.

— Não é nada, Brian, só um pouco melancólico.

— Cara, ainda não são trinta — o loiro brincou, como se sua preocupação tivesse algo a ver com a idade. E talvez tivesse. Quanto mais velho ficava, mais percebia que o rumo que sua vida tomou não era o que ele imaginava quando estava crescendo.

— Só 365 dias para os 30.

— Muita coisa pode acontecer em 365 dias, Matt — disse Brian, tentando animá-lo.

Matthew não acreditava nisso. Ele sabia que daqui a um ano sua vida estaria exatamente do mesmo jeito: seu irmão feliz com a mulher nos braços, seu melhor amigo que também era seu ex-noivo, um emprego pelo qual não era apaixonado e um apartamento vazio.

— Ok, vou te contar uma coisa para te animar, mas você tem que prometer que não vai dizer que soube de mim.

— Você é muito fofoqueiro. Vai me contar de qualquer forma.

— Como é seu aniversário, vou ignorar a ofensa.

— Só fala logo, Brian.

— Ah, curioso agora? — Brian riu. — Sabe como todo ano você e o Mathias têm essa piada interna de trocarem presentes estranhos? — Matthew assentiu em afirmação, ainda muito contente com a nova iguana de estimação que deu para o seu irmão. Apesar do pesadelo documental para conseguir legalmente o animal, ele estava extremamente satisfeito com a cara do seu irmão ao receber o terrário com o réptil. Entretanto, tudo que recebeu esse ano foi o aviso para estar em casa às 22:00 em ponto para receber seu presente. — Se eu te dissesse que eu sei o que você vai ganhar?

— O que é dessa vez?

— Eu vou provar que não sou fofoqueiro e não vou contar. Mas só de aviso: o Mathias se superou esse ano.

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