Galinha de cartola

21 3 0
                                    


Matthew, 10 anos.

Crescer com um irmão gêmeo significava uma coisa, nada era só seu. Ganhavam roupas iguais, brinquedos iguais. Às vezes era difícil para Matthew, ele poderia ser igual ao seu irmão em todos os aspectos físicos, mas sabia que eram diferentes. E ele gostava disso. Gostava de ter pensamentos só seus, de ver desenhos que o Mathias não gostava, de rasgar sua bermuda para ficar diferente da do irmão, gostava de ter as coisas dele.

Matthew acordou primeiro e observou Oliver dormindo ao seu lado sentindo seu rosto esquentar. O saco de dormir do amigo estava esquecido no chão no espaço que separava a sua cama com a do seu irmão. Mathias dormia virado para eles, espalhando o corpo pequeno na cama de solteiro. Matthew não dormia assim, dormia encolhido, apertado e foi assim que acabou dividindo a cama com o amigo.

Na primeira noite do pijama que fizeram, com 9 anos os três assistiram a um filme de terror, Mathias e Oliver aterrorizados, enquanto Matthew se divertia com os pulos dos dois. O problema foi que Oliver ficou realmente assustado e no meio da madrugada acabou fazendo xixi no saco de dormir. Ele ficou mortificado de vergonha, mas os outros meninos foram doces e ao contrário do que a maioria do que crianças daquela idade fariam eles confortaram Oliver dizendo que era normal, Mathias até disse que se não fosse pelo grito que o acordou ele provavelmente teria feito o mesmo. No final ambos acabaram culpando o Matthew que se divertiu chamando os dois que fracotes.  Como Mathias ocupava o espaço de 5 mamutes em sua cama, Olie deitou com Matthew e dormiram juntos pela primeira vez.

O que na primeira noite foi a solução mais óbvia, em todas as noites seguintes foi automático. Eles arrumavam o saco de dormir no chão apenas para seus pais não reclamarem, pois eles já disseram que os meninos não deveriam dormir juntos, que isso era estranho. Matthew, Oliver e Mathias não achavam estranho, então mantiveram o acordo em segredo, o primeiro segredo deles.

— Bom dia, Mattie! — Ouviu a voz sonolenta de Oliver em um sussurro o fazendo levantar o olhar e encontrar seu rosto amassado pelo travesseiro. Eles não precisavam dividir um, Matthew repousava sua cabeça contra o peito do amigo. Se sentia muito mais confortável assim, ouvindo sua respiração tranquila durante a noite.

— Eu falei que iria acordar primeiro que vocês. — Matthew disse acomodando-se ao lado de Oliver com um sorriso em seu rosto.

— Devemos acordar o Mathias? Ele tem que pagar a aposta. — Oliver perguntou.

— Não. — Matthew respondeu rapidamente, e Oliver deu uma risadinha fazendo seu corpo balançar. Oliver ria com o corpo todo, mesmo os sorrisos mais leves. Seu cabelo cacheado sempre acordava uma bagunça, jogado para todos os lados. Ele agora estava maior do que nunca, e Matthew não resistiu a tentação de entrelaçar seus dedos pelos fios castanhos.  Eles eram tão macios e confortáveis ao toque. Olie franziu a testa, mas dessa vez não reclamou, vários foram os momentos que ele repreendeu Mattie pela atitude, dizendo que ele bagunçava ainda mais seu cabelo. E mesmo reclamando e dizendo para não fazer, Matthew sempre sentia a cabeça do amigo se inclinar mais para receber o carinho.

— Eu tive um sonho esquisito. — Olie revelou, sua voz quase um ronronar ao se aproximar ainda mais da mão que lhe fazia cafuné. 

— É? — Matthew perguntou incentivando ele a continuar, ao mesmo momento que retirava um dos fios rebeldes do rosto do amigo.

— A gente estava em uma fazenda, eu e você...

— Como você sabe que não era o Mathias? - Mattie interrompeu.

— Eu sempre sei que é você. — Oliver revirou os olhos pela interrupção. — Enfim, ai o céu ficou mudando de cor, passando do azul para o rosa, para o verde-fluorescente, como se alguém estivesse brincando com um controle de cores gigante e, em vez de grama, o chão era coberto por doces e sobremesas de todas as formas e tamanhos.

— E como você sabe que era uma fazenda?

— Ah, por conta dos animais! — Ele justificou como se fosse óbvio. — Só que essa é a parte esquisita, os animais... — Oliver pausou para fazer suspense, e Mattie não segurou o sorriso. — Os animais estavam todos usando cartola.

— Deixa eu vê se entendi: o céu colorido e o chão de doce é normal, mas um animal de cartola não?

— Você já viu uma galinha de cartola? É esquisito.

— Porque o céu verde-fluorescente é super normal, né? — Oliver lhe empurrou com força quase fazendo sair da cama, agora que não estavam mais ocupando o mesmo espaço a cama se tornava pequena para os dois.

— Você é muito chato, Mattie. — Oliver reclamou fazendo biquinho. Matthew sorriu e deu um breve beijo na testa dele. Ele adorava implicar com o amigo. Gostava que Mathias era Mathias, mas ele era Mattie. Gostava que nesses dias em que acordavam primeiro tinham esses minutos sozinhos, momentos em que Oliver não era o amigo deles, Olie era seu.

Nosso primeiro amor.Onde histórias criam vida. Descubra agora