O dia seguinte seria um dia normal, tudo iria se resolver e seria tranquilo. Foi o que Harry pensou enquanto deitava a cabeça no travesseiro na noite anterior, mas o dia seguinte não foi tranquilo, foi vazio. As pessoas costumam dar vários sentimentos ao luto, mas para Kane, nada explicava melhor o que ele estava sentindo como a palavra "vazio". Não existia dor, raiva, mágoa, apenas o solitário vazio de algo que devia estar ali, mas não estava.
O inglês lembrava perfeitamente daquele dia, mas, ao mesmo tempo, não lembrava de nada. Ele lembrava perfeitamente de como se sentiu: vazio. Mas as imagens do acontecimento eram bagunçadas na sua cabeça. Porém, um momento específico era claro em sua memória, um momento que ele rezava silenciosamente para esquecer. E em alguns momentos ele realmente esquecia, mas aquela memória sempre voltava para assombrá-lo. Aquele 8 de junho sempre voltava, junto do vazio.
— Você que vai reconhecer o corpo? — O médico legista questionou encarando o loiro, que apenas balançou a cabeça. — Me siga.
E ele seguiu o homem, porque o que ele poderia fazer senão isso?
Harry nunca tinha percebido, mas aquele momento era cruel. Ele estava acostumado a lidar com pessoas morrendo, já havia perdido alguns pacientes na mesa de cirurgia ou no pós-operatório, já havia perdido familiares, mas ele nunca teve que passar por aquele momento antes. Não devia incomodá-lo tanto; afinal, ele trabalhava em um hospital e lidava diariamente com cadáveres. Mas aquela pessoa, naquela mesa fria, enrolada em um lençol branco, dentro de um saco preto, era alguém que ele amava, alguém que ele jurava que ficaria ao seu lado para sempre. Então por que Eric estava ali? Por que ele teve que entrar naquela sala fria e esperar, com vários outros cadáveres em volta, o médico legista abrir o saco preto que estava etiquetado com o nome "Eric Dier"?
Por que Kane teve que engolir as lágrimas e a dor, e dizer em alto e bom som que aquele era Eric? E por que ele teve que confirmar novamente quando o médico disse:
— Você tem certeza que é ele? Peço que olhe bem, me deixe ajustar o rosto para você conseguir ver melhor. — O homem disse enquanto segurava o rosto de Eric, que estava virado para o lado, e o virava para cima. — Não sei por que está de lado, geralmente deixavam para cima.
O homem resmungava enquanto o inglês engolia em seco, sem saber o que dizer, sem saber o que pensar, sem saber o que sentir.
— Tem certeza que é ele?
— Sim, eu tenho. — Kane disse com a voz levemente trêmula. — Os papéis para a liberação do corpo já foram assinados pelos pais dele, já posso sair, certo?
— Sim.
Porque é o protocolo. Essa é a resposta para todos os porquês. Porém, mesmo sendo protocolo, é cruel. É cruel colocar alguém que acabou de perder aquela pessoa para dizer em voz alta que sim, esse é ele/ela. Mesmo que seja cruel, infelizmente é a regra, a realidade da vida, a realidade da morte.
Harry pensou que quando saísse do necrotério conseguiria respirar melhor, mas não foi o que aconteceu. Quando ele passou pela porta, ele chorou, chorou como uma criança que havia se perdido dos pais. Ele podia não ter se perdido dos pais, mas havia perdido a pessoa que amava.
O inglês não se deixou chorar por muito tempo, afinal que direito ele tinha? Eric podia ser seu amigo, a pessoa que ele amava, mas ele também era filho de alguém. Então Kane respirou fundo mais uma vez e engoliu novamente o choro enquanto limpava o rosto molhado pelas lágrimas. Ele foi até os pais de Dier, dizendo que tudo já estava resolvido e avisando que um carro os levaria até a casa deles para descansarem um pouco.
Na frente das pessoas, ele demonstrava uma calma invejável, fazendo até mesmo algumas pessoas se questionarem se eles eram mesmo amigos, mas apesar da calma, Harry, na verdade, queria se jogar no chão e fazer birra como uma criança que queria um brinquedo e os pais negaram. Se ele fizesse isso, a morte teria pena de si e traria Eric de volta? Ele não sabia a resposta.
Minutos, horas, dias, semanas e meses se passaram, mas aquele vazio permanecia, junto da saudade e tristeza que apareceram alguns dias depois. Esses sentimentos só chegaram depois da percepção de que aquilo não era um sonho, era a realidade, e a realidade demorou dias para chegar.
Porque o primeiro sentimento é a negação. Você não quer acreditar que aquela pessoa partiu, porque como isso poderia acontecer? Como aquela pessoa poderia deixar você? Como Deus poderia tirar aquela pessoa de você e deixar um vazio? Não faz sentido, então negar a realidade e fingir que é apenas um sonho ruim é a melhor opção.
Então, depois de um tempo, você percebe que precisa encarar a realidade. Kane encarou a realidade, e naquele dia ele chorou como nunca na vida. Foi doloroso, mas a realidade é dolorosa e cruel em alguns momentos.
Ele chorou até a exaustão o consumir e ele dormir, mas antes de sua consciência ser consumida pela exaustão ele se deu um minuto de silêncio. Um minuto de silêncio por Eric, por ele, pela dor que estava sentindo, pela saudade que duraria para sempre.
O luto por aqueles que se foram não é algo que some. Ele fica com você durante toda sua vida, até você partir também e fazer alguém que te ama se sentir da mesma forma, um ciclo doloroso e sem fim.
O luto não some, ele cria moradia naquele vazio que ficou. Depois de um tempo ele fica tão escondido naquele grande vazio que você acaba esquecendo um pouco dele. Porém, alguns dias ele aparece e você lembra de tudo, dos momentos felizes e da saudade, e então você chora, porque o que mais se pode fazer?
Às vezes Harry lembrava de Eric em alguns momentos específicos e quando chegava em casa ele chorava, mas ele não é uma pessoa fraca por chorar ao lembrar de Dier. Você não é uma pessoa fraca por chorar por aquela pessoa que partiu. Sentir saudade é humano, e está tudo bem chorar por isso.
……
Eu sei, sumi e apareço com um "capítulo" triste, prometo voltar com as atualizações.
O motivo de ter postado isso hoje nem eu mesma sei, acho que queria desabafar e a escrita foi a melhor forma que achei.
Hoje faz um ano que perdi minha avó. Ela podia não ser a melhor pessoa do mundo, mas apesar dos problemas eu ainda a amava, e perder ela de forma tão repentina é algo que me assombra até hoje. Se você que está lendo isso já perdeu alguém que ama também, eu sinto muito, espero que seu coração encontre conforto nos momentos felizes que passaram juntos.
Então, pela saudade daqueles que partiram e pela dor daqueles que ficaram, eu peço um minuto de silêncio.
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Na Batida do Seu Coração | 2Son
FanfictionRicharlison estava seguindo seu sonho de se tornar médico, mas a vida em Londres era mais difícil do que o esperado. O brasileiro vai se encontrar um pouco perdido enquanto tenta conciliar o internato e o fato de ter uma quedinha pelo residente embu...