Prólogo

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"O mal se espalhou como uma febre,
era noite quando você
morreu, meu vagalume."
Fourth of July - Sufjan Stevens

Bella Cercatto
Há 5 anos atrás

Estou exatamente no lugar onde nunca imaginei estar. No velório dos meus avós.

    Maldito motorista bêbado.

    Meu tio me abraça tão forte que por um momento acho que talvez isso faça as lágrimas de nossos rostos pararem de escorrer. Estou enganada.

    E o pior de tudo é receber os pêsames de pessoas que tenho certeza que nem se importam com a situação, e que nem conheciam meus avós de verdade. Não como eu os conhecia.

    Agora só resta uma pessoa no mundo que posso confiar, meu tio Giulio. O único filho bom. Que com apenas seus dezenove já fez muito mais do que seus irmãos.

    Minha mãe está no momento discutindo com os funcionários do buffet. Como se alguém aqui além dela se importasse se a bandeja de comida está cinco centímetros a mais para a esquerda. E o meu outro tio, nem a decência de vir ao velório de seus pais teve. E é mais triste ainda saber que meus avós se foram sabendo do caráter de seus filhos.

    — Giu, algum dia essa dor vai melhorar? — Levanto a cabeça e encaro meu tio que seca uma lágrima do meu rosto

    — Acho que não, meu amor. Nós vamos apenas nos acostumar com ela. — Tenho que me controlar para não sair correndo dali agora mesmo

Pensar que o meu vô, que me ensinou a jogar golfe, que me levou a escola no meu primeiro dia de aula, que me levou ao hospital quando quebrei meu braço andando de bicicleta, e minha vó, que sabia fazer os melhores bolos do mundo, que contava para todos como sua neta era inteligente, e que dizia que eu era a filha que ela não teve, estão agora, dentro de dois caixões na minha frente. E que não tive a oportunidade de dizer adeus.

    Mas apesar disso, eles sabiam que eu os amava muito e que era muito grata por tudo que eles fizeram por mim.

    Olho para o lado e vejo sete policiais entrando na sala. Eles estão indo em direção ao meu pai. Todos estão olhando e sussurrando. Me levanto rapidamente.

    — Sr. Marco Colombo, você está preso por violência doméstica e desvio de dinheiro. Você tem o direito de se manter calado. Tudo o que você disser poderá e será usado contra você no tribunal. — Não, não pode ser. Agora não.

    Vou correndo em direção a esses policiais que estão levando meu pai, mas Giu me segura antes que eu pudesse chegar lá.

    — Bella, está tudo bem. Nós vamos dar um jeito. — Giu diz calmamente enquanto me abraça.

    Minha mãe está estática, todos presentes estão. Minha mãe saí da casa correndo. Imagino que ela está fugindo, com vergonha de ter falhado na missão de ter uma família perfeita.

    — Acho que é muito por hoje. — Sussurro. Eu gostaria de ir embora também, porém ainda irá ter o enterro. Não sei se tenho forças para isso.

Sob os Céus da Espanha - Iza Calcar Onde histórias criam vida. Descubra agora