Capítulo 20

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— Por favor, me acompanhe. — O enfermeiro indicou o caminho com um gesto suave.

Anahí havia demorado duas horas para chegar ao hospital central. Suas pernas ainda estavam bambas, e seu rosto, muito pálido, contrastava com os olhos inchados pelas lágrimas incessantes. A voz, rouca e trêmula, mal saía. Quando lhe explicaram como o acidente aconteceu, conseguiu captar muito pouco. Palavras como "muita chuva", "carro esporte", "colisão frontal", "capotagem", "preso nas ferragens" e "motorista bêbado" ecoavam em sua mente de forma desordenada. Não sabia ao certo a sequência dos acontecimentos; tudo parecia um borrão. Sentia-se aérea, como se estivesse vivendo um pesadelo do qual não conseguia despertar.

O corredor pelo qual andavam era longo e iluminado por luzes frias. O enfermeiro que a acompanhava mantinha um olhar profissional, sem dizer uma palavra. Anahí observava as portas fechadas que passavam por eles, tentando desesperadamente encontrar algum sinal, uma pista, algo que a reconectasse à realidade. Cada passo parecia um esforço hercúleo, o peso da situação tornando seus movimentos lentos e pesados. Finalmente, pararam ao fim do corredor. O enfermeiro olhou para ela com uma expressão mista de compaixão e profissionalismo, respirou fundo e estendeu a mão para a porta à sua frente.

Mas aquilo não era uma UTI ou um quarto de hospital. As paredes estavam cobertas com gavetas metálicas, numeradas friamente. Anahí se aproximou, tremendo tão visivelmente que as pontas de seu cabelo balançavam. Seus passos eram automáticos, movidos por uma força que nem ela mesma entendia. No fim do corredor, o enfermeiro parou em frente a uma das gavetas, inserindo uma chave com um clique que ecoou pelo ambiente silencioso. O som metálico da gaveta sendo puxada ressoou pelo espaço, enviando um arrepio pela espinha de Anahí. Quando a gaveta foi totalmente aberta, Anahí pôde ver um corpo coberto por um lençol branco. O enfermeiro se aproximou com uma delicadeza quase reverente, puxando o lençol até a cintura.

Anahí se aproximou, branca como papel, tão frágil quanto um, os olhos desfocados pela dor. Joseph tinha os olhos fechados, mais pálido do que todos ali já estiveram um dia. Olheiras fundas marcavam seu rosto, junto a hematomas vermelhos que começavam a ganhar uma tonalidade roxeada. Ele estava imóvel, deitado naquela gaveta de metal, somente um número naquela sala fria, entre as gavetas de metal. Ela se inclinou, as mãos trêmulas tocando-o como um cego faria para memorizar cada detalhe do rosto masculino. O mesmo rosto que havia tocado e beijado há poucas horas, agora frio e rígido em vez de quente e receptivo.

Desceu a mão pelo peito masculino, sentindo a pele gelada e totalmente imóvel. Sob seus dedos, não havia o tamborilar familiar do coração batendo, o som que ela costumava ouvir antes de dormir, deitada no peito dele. Pegou a mão dele, sentindo-a fria e sem vida sob seu toque. A ausência da aliança dos dois a feriu ainda mais.

Uma parte de seu cérebro registrou as palavras "atestado de óbito" e "é preciso assinar o documento de identificação do corpo", mas não sabia dizer se eram direcionadas a ela. A dor se preparava para emergir de dentro dela, vindo como um tsunami. Estava se acumulando, a onda se formando aos poucos, e quando quebrasse, destruiria tudo pelo caminho. Anahí sentiu uma onda de náusea, como se cada célula do seu corpo estivesse se revoltando contra a realidade. Lágrimas escorriam pelo seu rosto, caindo no peito de Joseph. Ela se abaixou, pressionando a testa contra a dele, como se pudesse compartilhar sua dor e trazer algum calor àquela figura inerte.

— Joseph... — Ela murmurou entre soluços, a voz quase inaudível. — Me perdoe... por favor, me perdoe...

Sentia que a vida estava sendo arrancada de dentro dela, um pedaço de cada vez. A culpa e o desespero a esmagavam, sufocando-a. Ela não podia acreditar que ele havia ido embora, que nunca mais ouviria sua voz, seu riso, ou sentiria seu toque. Cada memória deles juntos passava diante de seus olhos, cada momento de felicidade agora tingido pela amargura da perda. Finalmente, as forças a abandonaram. E ela caiu de joelhos ao lado da gaveta, incapaz de se mover, incapaz de processar a enormidade do que havia acontecido. A dor era insuportável, uma ferida aberta que talvez nunca cicatrizaria.

Em nome da dor - Livro 2Onde histórias criam vida. Descubra agora