CAPÍTULO 4

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Gabriel Medina's point of view

A água estava gelada, mas eu mal sentia o frio enquanto remava em direção à linha de surfe. O sol estava começando a se levantar no horizonte, tingindo o céu de laranja e rosa, mas minha mente estava em outro lugar. Há alguns anos, eu teria sentido pura adrenalina neste momento, aquela antecipação antes de pegar a onda perfeita. Mas hoje, tudo que eu sentia era uma leve pressão no peito, um desconforto que não parecia querer ir embora.

As ondas se formavam à minha frente, perfeitas, prometendo uma competição épica. Mas enquanto esperava minha vez, tudo que eu conseguia pensar era em Marina, nas meninas, na casa que eu havia deixado para trás mais uma vez. Helena e Cecília estavam crescendo rápido demais, e a cada viagem parecia que eu perdia mais do que ganhava.

Pensei em Marina, em como ela parecia distante na última vez que nos vimos, os olhos cansados, o sorriso rareando. Era como se estivéssemos nos movendo em direções opostas, e parte de mim sabia que a culpa disso era minha. Eu estava tão focado em competir, em manter minha carreira, que não percebi o quanto estava deixando para trás.

Uma onda perfeita surgiu, mas ao invés de me preparar, hesitei, deixando-a passar. Um dos meus companheiros de equipe, João, remou ao meu lado e pegou a onda que eu havia ignorado, voando pela crista com uma habilidade invejável. Ele voltou alguns minutos depois, com um olhar de curiosidade.

— O que houve, cara? — ele perguntou, respirando fundo depois da adrenalina da onda. — Você deixou aquela passar, e era uma das boas.

Dei de ombros, tentando parecer mais tranquilo do que me sentia.

— Só estava pensando em algumas coisas, nada demais.

Ele me olhou com ceticismo.

— Nada demais, hein? Tem certeza? Você tem andado meio distante ultimamente. Todos nós percebemos.

Eu queria negar, dizer que estava apenas focado na competição, mas a verdade era que minha mente estava muito longe daquelas ondas.

— É a família, João, — confessei, sentindo o peso da verdade enquanto as palavras saíam. — Sinto que estou perdendo momentos importantes, e não sei se estou fazendo a coisa certa.

João assentiu, um olhar compreensivo no rosto. Ele era mais velho do que eu, já tinha passado por muita coisa no mundo do surfe, incluindo o fim de um casamento que ele sempre dizia que foi por sua própria culpa.

— Deixe-me te dizer uma coisa, Gabriel, — ele começou, sua voz carregada de experiência. — O surfe é uma paixão, uma das melhores sensações do mundo, mas já vi muitos caras perderem tudo por causa dessa paixão. Não estou falando só de dinheiro ou fama, estou falando de família. Quando você olha para trás, não vai ser a quantidade de competições que venceu que vai importar, mas sim as pessoas que estiveram ao seu lado.

Suas palavras me atingiram em cheio. O que eu estava fazendo? Estava colocando o surfe acima de tudo, até mesmo da minha família. E isso estava começando a me custar mais do que eu podia pagar.

— Eu já perdi muito por causa desse estilo de vida, — continuou João, olhando para o horizonte. — Minha ex-esposa, meus filhos... Sinto falta deles todos os dias, mas agora é tarde demais para mudar isso. Não cometa o mesmo erro que eu, cara. Se você ainda tem uma chance, agarre-a.

Fiquei em silêncio, o som das ondas quebrando ao nosso redor, mas minha mente estava uma tempestade de pensamentos. Marina, Helena, Cecília... Eu estava aqui, no que deveria ser meu elemento, mas tudo que eu conseguia pensar era em como elas estavam. Como Marina estava se sentindo? Como as meninas estavam lidando com mais uma ausência minha?

Remamos juntos em direção a outra onda, mas a minha concentração estava quebrada. Mesmo quando me posicionei e consegui pegar a onda, a sensação de triunfo que costumava me dominar estava ausente. Tudo parecia vazio, sem sentido, como se o que realmente importasse estivesse escorrendo por entre os meus dedos.

Quando finalmente saí da água, a competição continuando ao meu redor, senti um vazio profundo. Este era o sonho da minha vida, e agora, parecia mais uma prisão do que uma conquista.

Depois de me secar e me sentar na areia, observei as ondas batendo na praia, o céu clareando cada vez mais. O que eu estava fazendo? Cada viagem me afastava um pouco mais de Marina, de Helena, de Cecília. E quanto mais eu lutava para manter minha carreira, mais parecia que estava perdendo minha família.

João se sentou ao meu lado, sem dizer nada. Mas a presença dele era confortante de certa forma, como se ele entendesse exatamente o que eu estava passando.

— Não é tarde demais, Gabriel, — ele disse finalmente, sua voz baixa, mas firme. — Mas você precisa decidir o que é mais importante para você. Porque continuar assim... você vai acabar perdendo as duas coisas.

Ele estava certo. O amor pelo surfe sempre seria uma parte de mim, mas o amor pela minha família tinha que vir em primeiro lugar. E se eu continuasse nesse caminho, sabia que perderia as pessoas que mais importavam.

— Obrigado, João, — respondi, com um nó na garganta. — Eu preciso pensar sobre tudo isso.

Ele assentiu, dando-me um tapinha nas costas antes de se levantar e voltar para a água.

Fiquei ali, observando o mar, mas pela primeira vez na vida, sentindo que o verdadeiro desafio não estava nas ondas, mas sim em casa, com Marina e nossas filhas. Eu sabia que precisava tomar uma decisão, antes que fosse tarde demais.

VEJO VOCÊS NO PRÓXIMO CAPÍTULO!

Our Waves - Gabriel MedinaOnde histórias criam vida. Descubra agora