AGNES
O som abafado da música reverberava nas paredes do lugar, cada batida do funk sacudindo meus nervos, como se o ambiente conspirasse para me engolir. Eu estava nos bastidores, com outras garotas ao meu redor. Seus olhares vazios, resignados, contrastavam com a crescente ansiedade que me dominava. O vestido preto que Álvaro me dera parecia pesar toneladas, colando-se ao meu corpo como um lembrete constante do que estava prestes a acontecer.
Respirei fundo, tentando manter a compostura. Mas minhas mãos tremiam, e o nó no meu estômago se apertava a cada segundo. As luzes do palco, à minha frente, filtravam-se pelas frestas da cortina pesada que me separava do que estava por vir. Eu ouvia o burburinho da multidão, vozes masculinas em tom de expectativa, risadas abafadas.
— A próxima já está pronta? — uma voz masculina soou perto de mim, impessoal, carregada de indiferença.
Ele não olhou diretamente para mim, mas sua presença me deixou ainda mais tensa.
Assenti, quase sem perceber, como se meu corpo estivesse funcionando no automático. Uma das garotas ao meu lado foi empurrada em direção ao palco. As luzes se acenderam mais forte, e eu a vi ser guiada até o centro do palco como um cordeiro prestes a ser sacrificado. Meus dedos se apertaram ao redor do tecido do vestido, como se aquele gesto pudesse me proteger de alguma forma.
— Dez mil reais pelo lote 1! — A voz do leiloeiro ecoou pelo salão, fazendo meu coração pular no peito.
Os lances começaram a subir rapidamente, cada número cravando um buraco mais profundo em minha alma. Eu assisti, impotente, enquanto a primeira garota era vendida por 88 mil reais. Ela desceu do palco sem uma palavra, o olhar perdido no vazio, como se a alma tivesse sido arrancada de seu corpo. Meu estômago revirou.
— Próximo lote! — o leiloeiro anunciou, e outra garota foi levada ao palco.
Ela estava mais segura de si, os quadris balançando com uma confiança forçada que parecia quase teatral. Mas eu via o medo nos olhos dela, o mesmo medo que corria em minhas veias, congelando meu corpo.
— Dez mil reais pelo lote 2!
Os lances subiram ainda mais rápido dessa vez, o som de cada oferta penetrando meus ouvidos como facadas. A segunda garota foi vendida por 110 mil reais. Eu sentia o suor começar a escorrer pela nuca, colando alguns fios de cabelo na minha pele. Eu era a próxima. Não havia como escapar.
— Próximo lote! — A voz do leiloeiro ecoou de novo, e então tudo ao meu redor pareceu parar.
Minhas pernas tremiam, quase me falhando enquanto era empurrada em direção ao palco. O vestido preto parecia apertado demais, sufocante. Quando atravessei a cortina, as luzes fortes me cegaram momentaneamente. O calor dos holofotes me envolveu, e o som da multidão me atingiu como uma onda. Havia homens de terno espalhados pelas mesas, seus olhares predatórios cravados em mim. Senti meu coração acelerar, e o instinto de fuga cresceu dentro de mim, mas não havia para onde correr.
— Dez mil reais pelo lote 3! — a voz do leiloeiro cortou o ar como uma lâmina.
Minha visão estava embaçada pela ansiedade, mas, de algum modo, encontrei Álvaro entre a multidão. Ele estava sentado em uma das mesas laterais, os olhos fixos em mim. O olhar dele era penetrante, firme, como se estivesse me garantindo que tudo ficaria bem, mas não havia como negar o pânico crescendo dentro de mim. Meus lábios tremiam, e eu mal conseguia manter minha postura.
— Quinze mil! — A voz de Álvaro soou com uma calma perturbadora, como se ele estivesse em controle total da situação.
Por um breve momento, pensei que seria simples, que ele faria a compra e me tiraria dali rapidamente. Mas então, uma nova voz se ergueu.
— Vinte mil! — Um homem, sentado mais ao fundo, levantou a mão, o olhar lascivo me despindo.
Senti um arrepio correr pela minha espinha.
Álvaro manteve o olhar fixo em mim, inabalável.
— Trinta mil — ele disse, sem hesitar.
O leilão continuou. Cada lance era como um golpe, me empurrando para mais fundo nesse pesadelo. Quarenta mil. Cinquenta mil. O homem que competia com Álvaro parecia determinado a não desistir.
— Cem mil reais! — A voz dele ecoou pelo salão, e eu prendi a respiração.
Olhei para Álvaro, desesperada. Ele ainda parecia calmo, mas eu via a tensão em seus olhos. O ambiente estava carregado de uma energia opressora, como se o próprio ar estivesse conspirando para me engolir. Meu coração batia tão rápido que eu sentia que ele iria explodir.
— Duzentos mil — Álvaro disse, sua voz firme, cortando o silêncio que se seguiu ao último lance.
O outro homem riu, um som áspero que fez meu estômago revirar. Ele levantou a mão de novo.
— Trezentos mil!
Cada célula do meu corpo gritava para que aquilo terminasse logo. Meu corpo tremia, minhas mãos estavam frias, suadas, e eu sentia as lágrimas ameaçando transbordar, mas não podia permitir que elas caíssem.
— Quinhentos mil — Álvaro declarou, sua voz firme como uma rocha.
A sala mergulhou em silêncio. Ninguém ousou fazer outro lance. O leiloeiro, com um sorriso satisfeito, bateu o martelo.
— Vendido por quinhentos mil reais!
Minhas pernas fraquejaram, e eu quase desabei ali mesmo. Álvaro se levantou de sua mesa, os olhos ainda fixos em mim. Fui guiada para fora do palco, e, assim que desci, senti suas mãos tocarem levemente meu braço, um toque firme, mas não invasivo. Ele me conduziu até um canto discreto, onde o pagamento seria realizado.
O ar estava mais frio ali, e eu tentei puxar uma respiração profunda para me acalmar, mas meu peito estava tão apertado que mal conseguia respirar. As palavras do leiloeiro ainda ecoavam em minha mente. Quinhentos mil. Eu valia meio milhão de reais?
— Fique tranquila — Álvaro disse, sua voz cortando o silêncio, mas de uma forma estranhamente reconfortante. — Está tudo sob controle.
Assenti, sem conseguir falar. Ele foi até o balcão para finalizar a transação, e tudo o que eu conseguia fazer era ficar parada ali, tentando processar o que havia acabado de acontecer. O peso de tudo começava a cair sobre mim, e o medo, embora ainda presente, deu lugar a uma espécie de entorpecimento.
Álvaro voltou, me observando com aquele olhar impenetrável. Não havia traço de crueldade nele, mas também não era exatamente caloroso. Era... profissional. Ele gesticulou para que eu o acompanhasse, e eu obedeci, sem saber o que esperar.
Caminhamos juntos para fora do local. A música, os risos, os olhares predatórios dos homens, tudo ficou para trás enquanto passávamos pelas portas pesadas. Senti o ar fresco da noite bater contra minha pele, e, pela primeira vez em horas, meu corpo relaxou, mesmo que minimamente.
— Vamos embora — Álvaro disse, com uma firmeza que, por um instante, me deu a impressão de que ele realmente sabia o que estava fazendo.
E, naquele momento, eu só conseguia confiar nisso.