AGNES
O apartamento parecia finalmente voltar a ser meu. O amigo do Fábio tinha feito um excelente trabalho em remover todas as câmeras e escutas que haviam sido colocadas lá. A sensação de saber que agora eu tinha controle sobre quem entrava e saía me trouxe uma paz que eu não sentia há dias. Câmeras foram instaladas nos lugares certos para garantir minha segurança, e saber que eu poderia monitorar meu próprio espaço aliviou parte da tensão que carregava no peito.
Passei dois dias no apartamento da Renata e do Fábio, e, embora me sentisse acolhida, não via a hora de voltar para o meu espaço, o lugar que eu chamava de casa. O primeiro dia de volta foi estranho. O silêncio do meu apartamento me parecia mais alto do que o normal, mas com o passar das horas, comecei a me acostumar de novo. Renata, sempre prestativa, aparecia todos os dias para checar como eu estava, e isso também ajudava a diminuir aquela sensação de isolamento.
Aos poucos, eu retomava minha rotina. Postava nas redes sociais, interagia com meus seguidores, e comecei a me sentir mais segura. A paranoia que me acompanhava, aquele sentimento de estar sendo observada, começava a se dissipar.
Foi num desses dias que decidi preparar uma pipoca e me jogar no sofá para assistir um filme, algo para ocupar a mente e espantar de vez os resquícios do medo. A casa estava tranquila, o cheiro da pipoca recém-feita começava a encher o ar, quando a campainha tocou.
Pensei imediatamente que fosse Renata. Era comum ela aparecer para ver se eu estava bem, então não pensei duas vezes antes de ir atender a porta. Mas ao abrir, o que vi me fez congelar no lugar.
Era Álvaro.
Ele estava lá, na minha frente, com uma postura impecável, vestindo um terno social que parecia feito sob medida. Sua camisa branca realçava a pele levemente bronzeada e o cabelo preto estava bem penteado, levemente ondulado nas pontas. Nas mãos, ele segurava um buquê de girassóis que contrastava com o tom escuro de sua roupa. A presença dele encheu o ambiente de uma maneira que me fez sentir diminuta por um momento. O coração disparou no peito.
— O que você está fazendo aqui? — balbuciei, tentando manter a calma, mas o nervosismo era evidente.
— Vim conversar, Agnes — ele respondeu, com a voz firme e tranquila.
O tom dele parecia pretensiosamente calmo, como se fosse natural aparecer assim, sem aviso.
Eu tentei fechar a porta, impulsivamente, o medo tomando conta de mim, mas ele foi mais rápido, empurrando a porta com facilidade e entrando no apartamento.
— Sai daqui, Álvaro! — gritei, a voz embargada, enquanto me afastava.
Ele não parecia irritado, mas seus olhos escureceram com uma sombra de surpresa.
— Por que você está com medo de mim? — ele perguntou, com um toque de incredulidade na voz, mantendo o buquê nas mãos. — Eu nunca te machuquei, Agnes. Sempre te respeitei.
As palavras dele me acertaram como uma facada. Respeitou? Ele realmente acreditava nisso? As lembranças dos últimos dias, a sensação de ser perseguida, a invasão ao meu espaço, tudo veio à tona. E eu explodi.
— Respeitou? Você é um lunático, Álvaro! Você fica me seguindo, me perseguindo, me monitorando!
E por um segundo, vi seu rosto ficar pálido. Era como se ele tivesse sido pego em flagrante.
O silêncio entre nós era sufocante. Ele me encarou, os olhos fixos nos meus, como se estivesse processando o que eu tinha acabado de dizer. O rosto dele, normalmente tão impassível, mostrava uma expressão de choque que logo deu lugar a algo mais suave, como se ele soubesse de algo que eu não sabia.
— Desde que voltei para Belo Horizonte, minha vida virou um inferno — comecei a falar, sentindo o peso das palavras aumentar com cada sílaba. — Mensagens estranhas, ligações sem resposta, gente invadindo a minha casa! Alguém sabe cada passo que eu dou, cada roupa que eu visto, cada movimento que eu faço. Eu sei que tem alguém me observando, Álvaro. Eu sei! — Minha voz falhou por um momento, mas logo continuei, mais firme. — E as câmeras... Alguém instalou câmeras no meu apartamento. Câmeras escondidas! E você quer que eu acredite que não tem nada a ver com isso?
O silêncio caiu sobre nós mais uma vez, e eu podia ver o choque estampado no rosto dele. Mas, aos poucos, a surpresa deu lugar a uma expressão mais tranquila, como se estivesse reorganizando os pensamentos, ponderando tudo que eu havia dito.
— Eu não fiz nada disso — ele disse, a voz agora mais baixa, quase cautelosa. — Eu não sou o seu stalker.
— Não me venha com essa! — gritei, ainda sentindo a raiva queimando dentro de mim. — Eu sei que foi você! Tudo aponta pra você! Quem mais teria tanto controle sobre a minha vida?
Ele colocou o buquê na mesa da sala com cuidado, como se o gesto fosse um ponto final no que eu estava dizendo. Em seguida, pegou o celular do bolso, desbloqueando a tela com um movimento rápido.
— Eu posso te provar que não sou eu — disse ele, o tom da voz inabalável. — Estive em um cruzeiro desde o dia que você saiu do meu apartamento.
Olhei para ele, incrédula. Ele estava me mostrando as fotos da galeria do celular. Álvaro estava em um cruzeiro luxuoso, cercado por celebridades e amigos, desde o momento em que eu saí de sua vida. Ele foi com um amigo de última hora, segundo ele, porque ficou chateado com a minha decisão de ir embora.
— E se isso é uma montagem? — perguntei, ainda incrédula, tentando encontrar qualquer fenda na narrativa dele.
— Saiu nos sites de fofoca — ele respondeu, com um suspiro, deslizando o dedo sobre a tela do celular. — Meu amigo acabou batendo em uma modelo que tentou roubar ele. A confusão toda foi parar nos jornais. Você pode conferir.
Peguei meu próprio celular e rapidamente fui para as páginas de fofocas no Instagram. Fui descendo até encontrar a postagem que Álvaro mencionou. Lá estava ele, em fotos e vídeos, claramente envolvido em uma briga em um cruzeiro com seu amigo e a tal modelo.
Meu coração afundou. Ele não estava mentindo. Não era ele o stalker. Então, quem estava me perseguindo?
— Viu? — ele disse, agora mais calmo, mas com um toque de cansaço na voz. — Eu não sou o cara que está te perturbando.
Senti o peso de tudo aquilo desabar sobre mim. Eu o tinha acusado, acreditado que ele estava me perseguindo, e agora que eu sabia que não era ele, o medo voltou, mas de uma forma diferente. Se não era Álvaro, quem era? Quem estava por trás de tudo aquilo?
— Eu não sei mais o que pensar... — murmurei, mais para mim mesma do que para ele.
— Quem quer que seja, não vou deixar que te machuque, Agnes — Álvaro disse, a voz firme, e pela primeira vez, acreditei nele. — Eu só vim aqui pra conversar. Vim em paz.
Olhei para ele, ainda sentindo a confusão dentro de mim. Ele estava sendo sincero, disso eu tinha certeza. Mas agora, eu estava sozinha para lidar com um inimigo invisível, alguém que conhecia cada detalhe da minha vida e sabia exatamente onde me atingir.
Ele se levantou, ajeitando o paletó, e caminhou em direção à porta.
— Se precisar de qualquer coisa... — começou ele, com um olhar sério. — Eu estou a uma ligação de distância.
Eu não respondi. Apenas fiquei ali, parada, sentindo o peso de tudo aquilo desmoronar ao meu redor, enquanto ele fechava a porta atrás de si e me deixava sozinha com meus pensamentos.