AGNES
Depois do lanche, levantei da mesa sentindo um peso que eu não sabia explicar muito bem. O sanduíche tinha acalmado a fome, mas minha mente ainda estava a mil. Cada palavra trocada com Álvaro, cada gesto, cada olhar parecia carregado de uma tensão que eu não sabia como processar. Me vi em pé, levando o copo até a pia, pronta para lavar quando ele se aproximou com aquele jeito dele, meio tranquilo, meio controlador.
— Usa a máquina de lavar louça — ele disse, apontando para o equipamento ao lado.
Olhei para a máquina e, por um momento, ri sozinha.
— Caramba, sua casa é muito moderna. Eu tô acostumada a fazer tudo à mão — comentei, enquanto deixava o copo na bancada, me permitindo relaxar um pouco.
Álvaro me observou por um instante, aquele olhar firme, como se estivesse ponderando o que eu disse, mas logo sorriu de canto.
— É, moderna, mas eu gosto de fazer as coisas à moda antiga de vez em quando — respondeu ele, com um tom que fez minha mente dar voltas.
Eu não soube se ele estava falando só sobre lavar louça ou algo mais profundo. Ele sempre tinha essa habilidade de dizer coisas simples com uma carga de significados escondidos.
Enquanto eu me apoiava na pia, aproveitando o momento para desviar a atenção de qualquer tensão anterior, uma curiosidade me atingiu de repente. Queria saber mais sobre ele, sobre o homem que parecia sempre ter controle sobre tudo, até mesmo sobre como devo lavar um copo.
— Quantos anos você tem? — perguntei, tentando parecer casual, mas o interesse era genuíno.
Ele me olhou de relance, um sorriso rápido, mas seus olhos sérios.
— Trinta e cinco. E você?
— Vinte e três — respondi, talvez um pouco rápido demais, como se minha idade fosse uma informação importante que eu precisava soltar.
Ele me observou por mais um segundo, como se estivesse calculando algo na mente dele, e então soltou uma risada curta.
— Novinha... Cheirando a leite.
Aquela provocação fez meu rosto esquentar, mas antes que eu pudesse pensar, as palavras escaparam da minha boca.
— E infelizmente não é seu — falei, me arrependendo imediatamente.
O silêncio que seguiu parecia denso demais. Eu congelei, esperando a reação dele. Mas, para minha surpresa, ele riu. Um riso baixo, rouco, que parecia vibrar no ar entre nós. Ainda assim, logo após o riso, ele ficou sério de novo. Havia algo nos olhos dele, uma curiosidade que me deixou tensa.
— Posso te fazer uma pergunta, Agnes? — A voz dele veio mais grave, mais contida.
Eu me preparei, não sabia o que esperar dessa vez.
— Claro.
Álvaro me encarou de um jeito que fez meu estômago revirar. Eu odiava quando ele fazia isso, quando me fazia sentir que estava sendo despida, analisada.
— Você é garota de programa? — A pergunta veio como um soco no peito.
Eu mal consegui disfarçar minha surpresa. O que ele estava pensando? Não sabia se ficava ofendida ou se ria de nervoso.
— O quê? Não! Por que você pensa isso? O negócio do leite foi só uma brincadeira, eu juro! — As palavras saíram atropeladas, uma tentativa desesperada de desfazer qualquer mal-entendido.
Ele balançou a cabeça devagar, ainda com aquele olhar penetrante.
— Não foi por isso — disse ele, com a voz firme. — Eu tava tentando entender como você foi parar no Baile das Piranhas. Conversei com alguns responsáveis pelo evento e eles te convidaram porque acharam que você era prostituta de luxo.
Aquelas palavras ficaram suspensas no ar por um momento. Eu me senti sufocada, como se ele tivesse acabado de puxar o chão debaixo dos meus pés.
— Como assim? Por que eles acharam isso? — perguntei, tentando manter a calma, mas o pânico começava a surgir dentro de mim.
Álvaro deu de ombros, o olhar mais frio agora.
— Seu perfil no Instagram só tem fotos de biquíni, se mostrando...
A indignação cresceu dentro de mim, mas junto com ela, uma pontada de vergonha. Eu sabia exatamente o que ele estava falando. Sabia que o meu conteúdo era polêmico, que muitas pessoas me julgavam pelas fotos que eu postava, pelas poses, pelos biquínis minúsculos. Mas era o meu trabalho, a minha maneira de sustentar a vida que eu levava.
— Bom, a internet é meu único ganha-pão — comecei, tentando manter a compostura. — Então eu preciso de engajamento.
Ele cruzou os braços, como se esperasse algo mais.
— Mostrando a bunda? — Ele não estava sendo grosseiro, mas o jeito direto dele me pegou desprevenida.
Senti meu rosto corar de novo, mas mantive a voz firme.
— Ou é isso ou engravidar de algum jogador de futebol e viver brigando por pensão... ou expor minhas brigas familiares.
Eu sabia que estava sendo ácida, mas aquela era a verdade. A internet era uma selva, e as mulheres como eu, que precisavam se virar sozinhas, sabiam disso melhor do que ninguém.
Álvaro me olhou por um momento, como se estivesse ponderando minhas palavras.
— Você não tem muito contato com a sua família, né? Acho que mencionou que são brigados.
Aquela pergunta me atingiu de um jeito estranho. Não era como se ele tivesse tocado em uma ferida aberta, mas era uma lembrança incômoda.
— Temos um relacionamento complicado, por diversos motivos que eu prefiro não citar — respondi, tentando encerrar o assunto de forma rápida.
Ele assentiu, como se entendesse. E, de certa forma, achei que ele realmente entendia.
— Entendo. Acho que temos algo em comum.
Por um segundo, nossos olhares se cruzaram e houve uma compreensão silenciosa. Não éramos tão diferentes assim, mesmo que estivéssemos em lados opostos da vida. O peso de carregar uma bagagem emocional que nos afastava de quem deveríamos estar próximos era algo que eu reconhecia nele, assim como ele reconhecia em mim.
Eu dei um sorriso sem jeito, tentando aliviar o clima pesado que havia se formado.
— Acho que sim.
E naquele momento, senti que havia muito mais para descobrir sobre Álvaro. Ele era um mistério, mas não um mistério qualquer. Ele era alguém que, de alguma forma, entendia as sombras que eu carregava, mesmo sem eu dizer uma palavra sobre elas.
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