AGNES
Acordei cedo naquela segunda-feira, mas algo estava diferente. Talvez fosse a leve ansiedade que começou a crescer desde que voltei para Belo Horizonte. Já faziam algumas semanas desde que saí da casa do Álvaro, e, embora eu estivesse aliviada de ter dito não à proposta tentadora e sufocante dele, uma parte de mim ainda sentia falta daquele jogo psicológico, daquela tensão que permeava cada conversa, cada gesto.
Mas agora, o jogo parecia ter mudado, e eu estava sozinha. Ou pelo menos deveria estar.
Sentei na mesa da cozinha, tomando um café, e abri o WhatsApp para ver as mensagens dos meus seguidores mais fieis, com quem tinha um grupo vip para conteúdo exclusivo. Nada fora do comum até então. Respondi a algumas perguntas, comentei algumas fotos, e estava prestes a começar o dia quando recebi uma nova mensagem privada de um número desconhecido. Suspirei, pensando que era mais um seguidor insistente tentando chamar minha atenção.
"Amei o look de hoje. Tá sexy."
Franzi a testa. Era um elogio simples, mas algo me incomodava. Não tinha postado nenhuma foto hoje. Na verdade, nem tinha tirado uma selfie. Olhei para minha roupa. Eu estava de moletom cinza, um look bem caseiro e nada de mais. Como ele sabia?
Respirei fundo, tentando não entrar em paranoia. Talvez fosse alguém que viu a foto do look do dia anterior e estava comentando. Tentei me convencer disso, mas não consegui me livrar da sensação incômoda que subia pela minha espinha.
Bloqueei o número e continuei minha manhã, mas a desconforto ficou comigo.
Mais tarde, enquanto revisava alguns contratos e ideias de conteúdo para as redes sociais, meu celular vibrou de novo. Desta vez, era uma chamada. Olhei a tela: o número desconhecido. Eu havia bloqueado ele várias vezes, mas o aplicativo o desbloqueava sozinho. Já era a vigésima terceira vez no dia que o mesmo número tentava me ligar. Resolvi atender.
— Alô? — perguntei, hesitante.
Nada. Só silêncio.
— Quem é? — insisti, minha voz começando a trair a irritação crescente.
De novo, nada. Apenas uma respiração leve do outro lado, como se a pessoa estivesse esperando que eu dissesse algo a mais. Meu coração começou a bater mais rápido. Desliguei o telefone rapidamente, tentando afastar a sensação de estar sendo observada.
Algo não estava certo. Essas mensagens, as ligações estranhas... Era como se alguém estivesse me rondando, alguém que sabia mais do que deveria. Comecei a caminhar pelo apartamento, tentando me acalmar, mas a sensação de que algo estava fora do lugar me dominava.
Lembrei de Renata, minha vizinha, que sempre foi muito simpática. Ela e o marido se mudaram há pouco tempo, mas nós nos demos bem desde o começo. Decidi que precisava conversar com alguém sobre isso. Peguei minhas chaves e, sem pensar muito, saí de casa e bati na porta dela.
— Agnes! — Renata disse ao abrir a porta, sorrindo. — Que surpresa!
— Oi, Renata. Desculpa aparecer sem avisar, mas... eu preciso falar com você — respondi, tentando manter minha voz firme, embora meu interior estivesse em tumulto.
Ela me olhou com uma expressão preocupada e me convidou a entrar.
— Claro, pode falar. O que está acontecendo?
Entrei no apartamento dela e sentei na mesa da cozinha. O cheiro de chá fresco pairava no ar, e isso me deu uma leve sensação de segurança. Contei a ela sobre as mensagens e as ligações estranhas, e à medida que as palavras saíam, percebi o quanto isso estava me incomodando. Renata me olhava com atenção, balançando a cabeça.
— Isso parece sério, Agnes — ela disse finalmente, pousando sua xícara de chá. — Já pensou em fazer um boletim de ocorrência?
— Pensei, mas... — eu hesitei. — E se for só alguém insistente? Sei lá, não quero fazer alarde por algo que talvez nem seja perigoso.
Renata segurou minha mão, num gesto de apoio.
— Agnes, eu entendo. Mas o mundo tá louco. As notícias estão aí. Mulheres sendo seguidas, mortas... Eu mesma, quando meu marido não está em casa, fico com um medo terrível. Qualquer barulho já me deixa em pânico. Não é errado se proteger.
Respirei fundo, absorvendo o que ela dizia. Renata tinha razão. O medo de algo pior era real. Eu sabia disso, mas ainda estava tentando racionalizar, fingir que era apenas minha mente pregando peças.
— Meu marido está aqui — disse ela, levantando-se e indo até o corredor. — Vou pedir para ele ir na sua casa. Ele é bombeiro, talvez ele veja algo que a gente não consegue ver.
— Será que ele se incomodaria? — perguntei, já me sentindo um pouco culpada por estar envolvendo outra pessoa nisso.
— Claro que não! Ele vai te ajudar com o maior prazer.
Poucos minutos depois, o marido de Renata, Fábio, estava no meu apartamento, examinando cada canto enquanto nós duas esperávamos na cozinha, tomando chá. Renata, sempre cuidadosa, tentava me distrair.
— Você tem que fazer esse boletim de ocorrência — ela insistiu. — O que custa? Pelo menos você vai ter algo registrado, caso as coisas piorem. Porque, olha, Agnes, isso pode ser um louco. Você sabe como é a internet, nunca dá para saber quem está do outro lado.
Eu assentia, tomando pequenos goles do chá, a mente a mil. Cada palavra dela fazia mais sentido. Eu sempre tive esse medo, essa ideia de que, um dia, algo assim pudesse acontecer. O problema é que eu nunca pensei que seria tão rápido.
Quando Fábio voltou do meu apartamento e nos encontrou na sua cozinha, seu rosto estava sério. Meu estômago afundou imediatamente.
— Agnes, vem comigo — ele disse, a voz grave.
Meu coração disparou enquanto eu o seguia de volta para meu apartamento, Renata logo atrás de mim. Ele me levou até o meu quarto e começou a apontar para pequenos pontos estratégicos, como a prateleira perto do espelho e uma luminária no canto do cômodo.
— Eu achei câmeras — ele disse, a voz baixa, quase como se não quisesse acreditar no que estava dizendo.
— O quê? — Minha voz saiu fraca, quase inaudível. — Câmeras? Como...?
Eu não conseguia processar. Câmeras? Alguém estava me vigiando dentro da minha própria casa?
O desespero tomou conta de mim. Meu corpo começou a tremer, e minha respiração ficou pesada. Não era só sobre as mensagens agora. Alguém estava me observando, dentro do meu espaço, do meu refúgio. As pequenas coisas que pareciam fora do lugar, o espelho embaçado, a blusa fora do guarda-roupa... tudo fazia sentido agora.
— A gente precisa chamar a polícia — Fábio sugeriu, sério. — Isso é muito grave, Agnes.
Assenti, mas minha mente estava longe. Câmeras. Espalhadas pelo meu apartamento. Quem poderia estar fazendo isso? Por quê?
Sem pensar muito, peguei minha bolsa e saí correndo para a delegacia. Eu sabia que precisava registrar isso, precisava de ajuda. O medo me envolvia, mas também a raiva. Como alguém tem coragem de invadir minha privacidade assim?
Quem estaria por trás disso?