AGNES
A luz suave que penetrava pelas frestas da cortina ainda estava presente, mas algo dentro de mim estava escuro, enevoado. Álvaro saíra há algumas horas, e eu não conseguia afastar da minha mente o turbilhão de pensamentos que me deixava à beira de um colapso. Cada vez que lembrava da pesquisa sobre ele, da sua conexão com o poder e os crimes que rondavam sua família, mais eu sentia o pânico subir pela garganta como um veneno lento, mas mortal.
Meus olhos percorriam o quarto, analisando cada detalhe, cada possibilidade. O nó no meu estômago apertava cada vez mais, e uma única palavra ecoava na minha cabeça: fugir.
Eu precisava sair dali o mais rápido possível.
Levantei-me da cama com um gesto quase automático, movida pela necessidade de fazer algo. Caminhei até minha mala no canto do quarto e comecei a jogá-la na cama, abrindo-a com pressa, sem delicadeza, como se quanto mais rápido agisse, mais distante eu ficaria daquele lugar e daquele homem que, a cada minuto, se tornava mais uma incógnita.
— Eu posso fazer isso... — sussurrei para mim mesma, tentando me convencer.
Meu celular estava ao lado da mala, e a ideia de chamar um Uber passou pela minha mente como um flash de luz em meio à escuridão. Poderia simplesmente pedir uma corrida, sair sem olhar para trás, desaparecer pelas ruas movimentadas do Rio de Janeiro e nunca mais pensar em Álvaro.
Mas então, o lembrete da dívida que eu teria de arcar se fizesse isso me atingiu como um balde de água gelada. Um milhão e meio de reais. Eu sabia que não tinha esse dinheiro. E se tentasse fugir, ele certamente usaria cada centavo daquela dívida para me destruir financeiramente, talvez até pior. O medo daquela consequência me fez hesitar por um momento, as mãos parando no ar, segurando uma blusa de forma desajeitada.
"Agnes, se eu fosse você, não me preocuparia com coisas que não posso controlar." As palavras de Álvaro ecoaram na minha cabeça, e eu quase senti sua presença me espreitando, mesmo não estando ali.
Continuei arrumando minhas coisas, tentando me manter focada em encontrar uma solução. Talvez eu pudesse pagar essa dívida de outra maneira. A ideia de aceitar alguns dos trabalhos duvidosos que eu sempre recusei começou a fazer sentido, mesmo que fosse doloroso admitir. Ofertas de divulgar produtos duvidosos, de mentir para meus seguidores, de vender minha imagem de forma que eu sempre jurei não fazer. Todos os limites que eu havia colocado em minha carreira pareciam tão frágeis agora, diante da necessidade desesperada de escapar.
"Talvez eu possa fazer isso apenas por um tempo." O pensamento de trair meus princípios corroía meu peito, mas o medo de ficar presa ao Álvaro era maior. Era isso ou ele podia me destruir completamente.
Respirei fundo, fechando a mala com um movimento brusco. Estava decidida. Eu tinha que sair dali, encontrar uma forma de resolver essa dívida, nem que fosse a última coisa que eu fizesse. Levantei-me, sentindo o peso do que estava prestes a fazer, mas antes que pudesse dar o próximo passo, ouvi o som de passos suaves no corredor.
Virei-me, e lá estava Ingrid, parada na porta com seu olhar sereno, mas carregado de uma compreensão que me desconcertava.
— Vai a algum lugar, querida? — A voz dela soou calma, quase doce, mas havia algo por trás daquele tom que me fez gelar.
— Eu... eu estava pensando em sair um pouco — respondi, tentando soar despreocupada, embora minha voz traísse o nervosismo.
Ingrid sorriu, mas foi um sorriso sem calor, como se já soubesse exatamente o que eu estava planejando.
— O senhor Álvaro pediu para avisar que você é livre para ir, Agnes. — Ela fez uma pausa, me olhando de forma quase maternal, mas com uma frieza latente. — Mas ele também disse que haveria consequências. — Suas palavras soaram como um aviso silencioso, uma ameaça disfarçada de cortesia.
O que exatamente ele quis dizer com isso? Consequências financeiras, jurídicas... ou algo mais sombrio?
Meu coração parou por um momento. Como ele sabia o que eu estava pensando? Como ele descobriu que eu estava prestes a fugir?
— Consequências...? — murmurei, tentando entender o que exatamente aquilo significava.
Ingrid manteve o sorriso leve, mas seus olhos eram duros como aço.
— Não é de mim que você vai ouvir mais detalhes, querida. Mas... ele vai saber. Sempre sabe. — Ela se afastou, o som dos passos ecoando no corredor, deixando-me sozinha, com uma sensação crescente de ser uma peça em um jogo que eu não entendia.
Assim que ela saiu, a ideia de que eu estava sendo monitorada cravou-se em minha mente como um espinho. Ele sabia o que eu estava fazendo, sabia até mesmo antes de eu agir. Meus olhos começaram a vasculhar o quarto com uma urgência crescente, como se as paredes tivessem olhos. Eu precisava encontrar a câmera. Eu precisava ver o que estava me observando.
A sensação de ser vigiada crescia como uma sombra sinistra, e de repente, o quarto ao meu redor pareceu pequeno, sufocante.
Caminhei pelo quarto com pressa, meus dedos deslizando pelas paredes, percorrendo as bordas dos móveis, tentando descobrir o que estava fora do lugar. Nada parecia visível, mas a sensação de estar sendo observada era impossível de ignorar. Então, meus olhos se fixaram na enorme televisão que dominava quase toda uma parede.
Algo naquela TV grande começou a me incomodar. Aproximei-me com cautela, os dedos trêmulos passando pela parte inferior da tela. Um leve relevo chamou minha atenção.
Toquei com mais cuidado, sentindo um pequeno movimento. Com um clique quase inaudível, uma abertura foi revelada, e lá estava: uma câmera, escondida com precisão na moldura da televisão, apontada diretamente para onde eu passava a maior parte do tempo no quarto.
Meu estômago revirou, e o pânico tomou conta de mim. Ele estava me vigiando o tempo todo.
— Desgraçado... — sussurrei, sentindo uma mistura de raiva e medo.
Meu corpo tremia, mas eu não podia deixar que ele visse meu desespero.
Eu precisava sair dali. Mas como, se ele sabia de cada movimento meu?
A ideia de fugir parecia impossível agora, mas a alternativa era ficar e enfrentar o que viesse, sem saber exatamente o que Álvaro tinha reservado para mim. Olhei para a mala pronta na cama, minha mente lutando entre o desejo de correr e a necessidade de sobreviver a essa situação sem me afundar mais ainda.
Eu não podia perder. Mas também sabia que, se fugisse sem um plano, as consequências poderiam ser piores do que eu imaginava.