AGNES
Estar de volta em Belo Horizonte, no meu apartamento, deveria me trazer paz. A sensação de familiaridade das ruas, o ritmo da cidade que sempre me acolheu. Mas, por algum motivo, me sentia estranhamente vazia. Aqueles dias com Álvaro foram intensos demais, como um furacão que passou e deixou um rastro de confusão. A proposta dele ainda ecoava na minha mente. Dez milhões de reais, uma casa, um carro... e tudo o que ele queria em troca era que eu ficasse mais tempo com ele. Não parecia tanto, mas eu sabia que, ao aceitar, estaria trocando minha liberdade por uma jaula dourada.
Agora, sentada no sofá do meu apartamento, uma semana depois, ainda tentava processar tudo o que havia acontecido. A proposta, o desejo crescente entre nós, a tensão que nunca se dissipava. Eu precisava sair desse ciclo de pensamentos. Precisava retomar minha vida.
Abri o Instagram no celular, rolando pelas fotos antigas que postei. Meus seguidores estavam curiosos, algumas mensagens me perguntavam se eu estava bem, por que fiquei tanto tempo sumida. Era hora de voltar à rotina, mas havia algo em mim que ainda hesitava. Como se o tempo que passei longe tivesse me desconectado de quem eu costumava ser.
Escolhi uma selfie que tirei antes de sair de Belo Horizonte, algo casual, e comecei a digitar uma legenda: "De volta ao lar! Como vocês estão?" Sorri para mim mesma, clicando em publicar. Era simples, um retorno discreto, sem muito alarde. Mas, ao revisar minhas fotos e as mensagens, algo chamou minha atenção. Havia um usuário desconhecido ligando repetidamente nos últimos dias, com o nome de Specter1989. A princípio, ignorei. Provavelmente só algum fã insistente ou alguém tentando chamar minha atenção de maneira desesperada.
Suspirei, jogando o celular sobre a mesa e me levantando. Ficar presa ao celular só aumentaria a sensação de que algo estava fora de lugar. Eu precisava me movimentar, fazer algo com minhas mãos, tirar a tensão que estava se acumulando no meu corpo.
Fui até o quarto, pensando em arrumar o guarda-roupa. Era uma boa maneira de me distrair e colocar a cabeça no lugar. Ao abrir a porta do quarto, vi algo que me fez parar por um instante. Uma blusa azul-claro, que eu tinha certeza de ter guardado, estava jogada sobre a cama. Franzi o cenho, tentando lembrar se tinha deixado a blusa ali, mas estava certa de que não.
— Acho que o Rio de Janeiro me deixou mais lerda do que já sou — murmurei para mim mesma, rindo sem graça.
Com tantos pensamentos rodando na cabeça, era possível que eu estivesse esquecendo detalhes pequenos como esse.
Dobrei a blusa e coloquei de volta no guarda-roupa, mas a sensação de que algo estava fora de lugar não foi embora. Era como se meu próprio espaço, o lugar onde eu deveria me sentir segura, estivesse me escapando pelos dedos. A cada passo, eu me sentia mais inquieta, como se tivesse algo ao meu redor que eu não conseguia enxergar.
Decidi dar uma volta no apartamento, talvez estivesse só precisando de um pouco de clareza. Passei pelo corredor, fui até o banheiro para lavar o rosto, e, ao entrar, senti um calafrio percorrer meu corpo. O espelho estava embaçado, como se alguém tivesse tomado banho recentemente. Mas eu não havia usado o banheiro naquela tarde.
Fiquei parada, encarando o espelho, tentando entender o que estava acontecendo. Passei a mão pela superfície fria, limpando o vapor, e vi meu reflexo, confuso, me encarando de volta. Será que eu tinha tomado banho e esqueci? Era possível que eu estivesse tão perdida nos meus próprios pensamentos que esquecesse algo tão simples? Não... isso não fazia sentido.
Saí do banheiro, o coração ainda batendo rápido, e voltei para a sala. Sentei-me no sofá, tentando acalmar a mente. Talvez eu só estivesse sobrecarregada, tentando me ajustar à vida normal depois de dias tão fora do comum com Álvaro. Afinal, eu passei muito tempo com ele, em um ambiente onde cada movimento parecia planejado, onde o controle era dele. Talvez agora eu estivesse apenas tentando retomar o controle da minha própria vida.
O celular vibrou na mesa de centro. Olhei para a tela e, de novo, Specter1989 apareceu nas chamadas perdidas. Eu franzi o cenho. Quem era essa pessoa? Por que estava tão insistente em tentar falar comigo?
Ignorei mais uma vez. Não tinha energia para lidar com isso agora. Mas, por dentro, uma semente de inquietação já estava plantada. Esses pequenos detalhes — a blusa, o espelho, as ligações — estavam começando a me deixar em alerta, mesmo que eu tentasse fingir que era apenas coisa da minha cabeça.
Levantei-me novamente, andando de um lado para o outro. Meu apartamento, que sempre foi um refúgio, parecia... diferente. Era sutil, quase imperceptível, mas eu não conseguia me livrar da sensação de que algo estava errado. Talvez fosse apenas o estresse. Talvez fosse a confusão de voltar para a realidade depois dos dias intensos com Álvaro. Mas, e se não fosse?
Olhei pela janela, a vista da cidade me trazia uma calma momentânea. Belo Horizonte sempre foi minha casa, meu lugar seguro. Eu precisava voltar ao meu ritmo, precisava recomeçar. O apartamento estava silencioso, o que geralmente era reconfortante, mas agora, o silêncio parecia denso, pesado.
Respirei fundo e voltei ao meu celular. Fiquei tentada a responder as mensagens dos meus seguidores, a postar algo que mostrasse que estava tudo bem. Talvez uma foto casual, algo para aliviar a tensão e me distrair. Mas, antes que pudesse fazer qualquer coisa, vi mais uma chamada perdida de Specter1989. Dessa vez, algo dentro de mim acendeu. Por que essa pessoa continuava tentando? Era só alguém insistente ou havia algo mais?
Decidi bloquear o perfil, cansada da insistência, e joguei o celular de volta no sofá. Mas a inquietação não foi embora. Eu sabia que havia algo mais acontecendo, mesmo que não conseguisse colocar em palavras.
Voltei ao quarto, desta vez decidida a ignorar tudo. Mas quando me deitei na cama, uma pergunta ecoava na minha mente: será que estou realmente sozinha aqui?
Fechei os olhos, tentando afastar esses pensamentos. Eu precisava descansar, precisava retomar o controle. Mas algo me dizia que isso seria mais difícil do que eu imaginava.