AGNES
Acordei com a luz suave do sol filtrando-se pelas cortinas do quarto, iluminando as paredes brancas. Por um momento, tive que lembrar onde estava. Olhei ao redor, ainda sonolenta, e vi minha mala no canto do quarto. Aparentemente, alguém já a havia trazido, como Álvaro prometera. Meu celular, que eu nem lembrava onde tinha colocado, estava na mesinha de cabeceira. Peguei-o e deslizei o dedo pela tela, confirmando que estava intacto.
De repente, o nervosismo da noite anterior me voltou como uma onda. Eu havia passado por tudo aquilo e sequer gravei vídeos ou tirei fotos. Não que aquele fosse um ambiente apropriado para isso, claro. A favela não era um lugar que eu costumava frequentar, e, mesmo que em Belo Horizonte também houvesse comunidades, nunca me vi passeando ou trabalhando nelas.
Ainda bem que o pessoal militante não pode ler meus pensamentosou iam me chamar de preconceituosa.
Eu evitava entrar em polêmicas. Já tinha pavor de cancelamento o suficiente por mostrar o corpo nas redes sociais. Era sempre aquela linha tênue entre manter a audiência e preservar a dignidade, uma batalha que eu frequentemente perdia em nome dos números. Respirei fundo. Nada disso importava agora. O que me restava era seguir o dia como se estivesse no controle.
Levantei-me e fui direto ao banheiro. Tranquei a porta, o hábito de me proteger ainda estava ali, mesmo depois de Álvaro ter sido gentil. O chuveiro estava com a água quente o suficiente para me ajudar a relaxar um pouco, afinal, estava em um ambiente estranho, com uma pessoa estranha, e minha mente ainda não tinha encontrado um ponto de estabilidade. Após alguns minutos, saí do banho e me sequei com uma toalha macia.
Voltei ao quarto e abri minha mala. Escolhi um vestido branco de alças finas, algo leve, que contrastava com o peso que eu sentia no peito. Fiz uma maquiagem básica, apenas para parecer mais apresentável, mesmo sem saber exatamente o que o dia reservava para mim.
Quando saí do quarto, fui surpreendida por uma mulher mais velha, que estava de pé no corredor, me observando com um sorriso cordial.
— Bom dia — ela disse, com uma voz calma e amistosa. — Sou Ingrid, a empregada do Álvaro. Ele pediu para avisar que volta em algumas horas.
— Ah, bom dia — respondi, tentando disfarçar meu desconforto com um sorriso. — Sou Agnes.
Ela assentiu, e percebi que havia algo maternal na forma como ela me olhava. Era como se estivesse acostumada a ver pessoas como eu, meio perdidas naquele espaço imponente.
— Se precisar de qualquer coisa, é só me chamar — ela disse, antes de se afastar, me deixando à vontade.
Senti o estômago roncar e fui para a cozinha, que, para minha sorte, estava organizada com uma variedade de frutas, pães e café. Montei um prato rápido, tentando ignorar o peso de estar em um lugar tão fora da minha realidade. A cada mordida, o ambiente ao meu redor parecia me sufocar um pouco mais. Tudo era grande, espaçoso e ao mesmo tempo vazio. Como se faltasse alguma alma naquele apartamento perfeito demais.
Depois do café, decidi dar uma volta pelo lugar. Passei pelos corredores longos e iluminados, observando cada detalhe com curiosidade. Havia duas portas no corredor dos quartos que não abriam, e isso chamou minha atenção. Por que estariam trancadas? O que Álvaro escondia ali? A curiosidade começou a me corroer, mas logo percebi que talvez fosse melhor não investigar demais. Ele tinha sido gentil até agora, mas não queria arriscar abusar dessa hospitalidade.
Com o tempo, comecei a sentir o tédio bater. Aquele apartamento, embora lindp, parecia um cenário vazio. Sem vida, sem barulhos, sem energia. Voltei ao quarto e peguei meu celular. Precisava fazer algo para me distrair.
Decidi pesquisar sobre Álvaro, afinal, eu sabia tão pouco sobre ele, além do fato de que era delegado. Digitei seu nome e sua profissão no Google, esperando informações básicas, talvez algo sobre sua carreira. Mas o que apareceu me deixou completamente paralisada.
Logo no primeiro resultado, vi notícias associando Álvaro a uma família poderosa, uma das mais influentes do Brasil. Mas não era isso que me assustava. O que realmente me fez sentir um frio na espinha foi descobrir que ele era um dos filhos do presidente do país. Um presidente envolto em polêmicas, com várias acusações de ligação à milícia e outros crimes.
“O quê?” sussurrei para mim mesma, incrédula.
Meu coração disparou. Eu estava nas mãos de alguém que não só era poderoso, mas que podia, literalmente, fazer o que quisesse e sair impune. Cada detalhe da vida de Álvaro estava lá: o império da família, as acusações, os escândalos. Ele parecia ser o tipo de pessoa que não hesitaria em usar essa influência para controlar quem cruzasse seu caminho. E eu? O que eu era comparado a ele?
Senti um nó se formar na minha garganta, meu corpo ficou imóvel por alguns minutos. Eu precisava pensar, mas a informação me atingiu como um soco no estômago. Álvaro era perigoso. Muito perigoso. E agora eu estava envolvida nessa merda toda. Como alguém como ele participava de um leilão? Como um delegado, filho de um presidente, estava tão mergulhado em atividades ilegais e ao mesmo tempo livre para andar pelas ruas?
Larguei o celular na cama, sentindo um tremor percorrer minhas mãos. Estava no meio de algo muito maior do que eu poderia imaginar, e a realidade disso começou a me sufocar.
"Eu preciso sair daqui." O pensamento surgiu como um reflexo, mas a verdade é que eu sabia que não tinha para onde ir. Estava presa naquela situação.
O som suave de uma porta se abrindo interrompeu meus pensamentos. Ingrid apareceu, chamando-me para almoçar. Forçadamente, sorri e acenei, tentando não demonstrar o pânico que estava sentindo por dentro.
Eu precisava manter a calma.