Capítulo 9

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AGNES

A noite caía lenta e pesada, como se estivesse conspirando contra mim, tornando o ambiente mais denso, mais sufocante. Eu ainda sentia o peso da descoberta da câmera, da vigilância constante de Álvaro. Ele sabia de tudo. E a sensação de que cada passo que eu dava era cuidadosamente monitorado me deixava à beira do colapso. O apartamento estava em completo silêncio, mas não era um silêncio pacífico. Era tenso, quase como se o próprio ar estivesse aguardando o próximo movimento.

Minhas mãos ainda tremiam levemente enquanto olhava para a televisão, para a câmera escondida. Ela estava ali, imóvel, mas eu sabia que de alguma forma ele via tudo. Não havia como escapar, pelo menos não sem um plano mais elaborado. Eu precisava me manter calma, precisava respirar e me controlar. Mas o medo era um convidado incômodo que eu não conseguia expulsar.

E então, o som da porta se abrindo ecoou pelo apartamento, fazendo meu corpo congelar. Ele havia chegado.

Fingi estar calma, focada na mala parcialmente fechada, como se minha tentativa de fuga tivesse sido nada mais que um momento passageiro de hesitação. Eu não podia deixá-lo perceber o pânico que ainda se aninhava dentro de mim. Álvaro entrou, a presença dele dominando o espaço como sempre. Não precisei olhar para saber que ele estava lá. Sua presença era intensa demais para ser ignorada.

— Agnes? — A voz dele soou pela sala, firme, mas calma, sem sinais de irritação.

Havia algo naquela voz que fazia meu coração bater mais rápido, mesmo que o medo continuasse presente.

Virei-me lentamente, tentando encontrar meu próprio equilíbrio.

— Estou aqui — respondi, minha voz mais estável do que eu esperava.

Ele apareceu na porta do quarto, os olhos cravados nos meus, como se estivesse me estudando, medindo cada pequeno movimento. Sua expressão era séria, mas não hostil. Havia um toque de cansaço em seu olhar, como se o peso do dia estivesse sobre seus ombros. Álvaro não era um homem fácil de ler. Sua aparência, imponente e controlada, me deixava sempre em alerta. Ele tinha uma postura rígida, com aquele olhar penetrante que parecia ver além das minhas palavras.

E naquele momento, quando ele me olhou, senti algo diferente. Não era apenas medo ou desconfiança. Havia algo a mais, algo que mexia comigo de uma forma que eu não queria admitir.

— Tava pensando em cozinhar alguma coisa. Quer me ajudar? — ele perguntou, o tom da voz surpreendentemente suave, quebrando o clima tenso.

Eu piscava, confusa por um momento. Depois de tudo, ele queria... cozinhar? O contraste era tão abrupto que me pegou desprevenida.

— Cozinhar? — perguntei, quase sem acreditar no que estava ouvindo.

— É, cozinhar — ele repetiu, um leve sorriso surgindo no canto dos lábios. — Nada melhor pra relaxar.

Assenti, hesitante, e o segui até a cozinha. Ele estava diferente naquela noite. Não havia a tensão dos momentos anteriores, pelo menos não à superfície. E talvez fosse por isso que, mesmo com tudo o que havia descoberto, algo em mim não conseguia resistir à curiosidade de entender quem ele realmente era.

Quando chegamos à cozinha, Álvaro se moveu com facilidade, abrindo armários e pegando ingredientes. Ele sabia o que estava fazendo, como se cozinhar fosse uma forma de controle para ele, uma maneira de organizar o caos.

— O que vamos preparar? — perguntei, tentando manter a voz casual.

— Uma massa — ele respondeu, tirando uma caixa de spaghetti de um dos armários. — E um molho de frutos do mar. Algo simples, mas que eu gosto de fazer.

Ele pegou um vinho da prateleira, uma garrafa cara, algo que eu nunca teria condições de comprar sozinha.

— Um bom vinho combina com o prato — ele disse, erguendo a garrafa para que eu pudesse ver o rótulo.

O nome do vinho era estrangeiro, algo francês, com uma etiqueta que gritava exclusividade.

Ele se moveu pela cozinha com uma graça inesperada, abrindo a garrafa com precisão e servindo duas taças. Observei seus gestos, a maneira como suas mãos trabalhavam, firmes, mas delicadas. Ele não era um homem comum, isso eu sabia. Mas quanto mais eu observava, mais difícil era ignorar a aura intrigante que ele carregava consigo.

— Toma — disse, entregando-me uma das taças.

Peguei a taça, meus dedos roçando levemente os dele. O toque foi breve, mas senti um arrepio subir pela minha espinha. Ele parecia notar, mas não disse nada. Seus olhos estavam focados no que fazia, mas a tensão no ar estava cada vez mais palpável.

Enquanto ele cozinhava, o som suave da massa fervendo na água e o aroma do molho de frutos do mar preenchiam o ambiente. O vinho estava excelente, e a cada gole, eu sentia meu corpo relaxar, mesmo que minha mente ainda estivesse alerta.

— Me conta mais sobre você, Álvaro — falei, tentando disfarçar minha curiosidade com um tom casual. — Sua vida antes de tudo isso. Você não fala muito de si.

Ele parou por um momento, mexendo o molho na panela, os olhos baixos como se estivesse ponderando se deveria responder.

— Não tem muito o que contar, Agnes. — Ele deu de ombros, mas eu sentia que havia mais por trás daquela resposta. — Minha vida sempre foi... complicada.

— Complicada como? — perguntei, inclinando-me um pouco, tentando quebrar aquela barreira invisível entre nós.

Ele soltou um suspiro longo, quase como se estivesse cansado de carregar o peso das suas próprias palavras.

— Nasci em uma família que sempre teve muita influência... muito poder — começou, a voz um pouco mais baixa, mas carregada de uma amargura que ele tentava esconder. — E com isso vem responsabilidades que você não escolhe. Desde pequeno, aprendi que o mundo é um lugar perigoso. Que quem tem poder tem que saber como usá-lo... e como sobreviver a ele.

Enquanto ele falava, notei que seu rosto parecia mais pesado, como se estivesse relembrando coisas que preferia deixar no passado. Sua mandíbula forte, o olhar intenso, tudo nele sugeria que ele era mais do que apenas um delegado. Mais do que o filho de um presidente envolvido em crimes. Havia uma profundidade que eu ainda não compreendia.

— E você aprendeu a gostar desse poder? — perguntei, mais suave dessa vez, tentando entender o que o movia.

— Gostar não é a palavra certa — ele disse, com um sorriso amargo. — Mas aprendi a viver com isso. Não dá pra ser fraco nesse mundo, Agnes. Não quando todos esperam que você caia.

Fiquei em silêncio, absorvendo suas palavras. Ele era perigoso, disso eu sabia. Mas havia uma dualidade nele que mexia comigo. Não era apenas o medo que me fazia sentir algo por ele. Era algo mais... algo que eu não sabia explicar.

— Você parece... alguém que carrega muito nas costas — comentei, minha voz mais baixa, quase um sussurro.

— Talvez seja verdade — ele disse, sem tirar os olhos de mim. — Mas você também, não é? Eu vejo nos seus olhos.

Havia algo nos olhos dele, algo que me atraía de uma maneira inexplicável. A tensão entre nós parecia crescer, à medida que o jantar ficava pronto. Sentamos à mesa, o vinho fluindo, e o silêncio que antes era incômodo agora parecia carregado de algo mais.

Álvaro não era apenas o homem perigoso que eu temia. Ele era mais do que isso. E eu não sabia o que fazer com esse novo sentimento que surgia dentro de mim.

NA MIRA DE UM STALKEROnde histórias criam vida. Descubra agora