Progresso

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As gotas de chuva desenhavam caminhos sinuosos no vidro da janela e a claridade fraca de uma manhã nublada iluminava a sala do meu apartamento de forma quase melancolica demais pro meu gosto.

Nos últimos meses eu tentava não pensar muito em certas coisas. Nela, pra ser mais exata, e melancolia não ajudava nenhum pouco nisso.

Já fazia pouco mais de um ano desde que tudo mudou e eu tentava manter minha vida no ritmo mais frenético que conseguia. Trabalho atrás de trabalho, caso após caso.

Era isso ou ter que lidar com sentimentos reprimidos que eu não queria lembrar.
Sempre dizia a mim mesma que eu estava bem, que eu ficaria bem e isso ajudava.

Eu também havia me colocado na linha de frente dos assuntos referentes à Zaun, tentando garantir dia após dia, que eles recebessem pelo menos uma fração do que mereciam. Isso ajudava mais ainda.

Digamos que eu forçava o conselho, ameaçando expor tudo o que sabia sobre os seus acordos sujos que levaram àquele conflito. As minhas ameaças eram sutis, claro, mas muito eficazes.

Os conselheiros cediam, temerosos por suas próprias cabeças, e eu arrancava deles tudo o que conseguia. Remédios, roupas, alimentos, tudo era enviado a Zaun como forma de ajuda. Era o mínimo que eu podia fazer após ter conhecido aquelas pessoas, após ter convivido com elas e até mesmo ter me apaixonado por uma.

Mínimo.
Essa palavra ecoava na minha mente sempre que pensava nela.

Não importava o quanto eu trabalhasse, o quanto eu lutasse para enviar ajuda, nunca seria o suficiente. Porque a verdadeira reparação, o verdadeiro perdão, nunca viria.
Sempre haveria um abismo entre as duas cidades, uma ameaça invisível prestes a explodir a qualquer momento.

Fechei os olhos com força enquanto repetia o meu mantra diário de "está tudo bem, Caitlyn". Mas falhei quando a imagem dela ocupou meus pensamentos de forma dolorosa. Como eu era patética.

Era uma tortura quando isso acontecia, embora a frequência estivesse diminuindo com o passar do tempo.

Meus dias agora eram preenchidos por reuniões e papéis, por estratégias e planos, mas era recorrente que a falta dela me atingisse em cheio algumas vezes.

Tentei perguntar sobre ela uma ou duas vezes quando cruzei com Ekko. Ele sempre me respondia de forma evasiva, dizendo que ela estava bem. Queria acreditar que isso era verdade. Que ela estava seguindo em frente, vivendo da melhor forma que podia.

Suspirei e me virei para a mesa, tentando afastar esses pensamentos. Dei um gole no meu chá já frio e tentei focar em outra parte da minha vida.

Voltei novamente a pensar em trabalho. Eu me dedicava a ele como uma forma de anestesia, de fuga. Cada projeto, cada proposta que eu empurrava goela abaixo do conselho, era uma tentativa de compensar, de fazer com que a subferia se erguesse.

Agora eu estava trabalhando em um projeto para implantar escolas em Zaun e criar bolsas de estudo para os jovens de lá estudarem em Piltover. Eles mereciam uma chance de recomeçar, de crescer e evoluir. Mas era uma batalha difícil, o conselho estava relutante, sempre preocupado com seus próprios interesses. Eu pressionava, argumentava e ameaçava, e conseguia algum progresso. Lento mas constante.

E meu pai, ele era meu porto seguro. Sempre me apoiando e incentivando a seguir em frente. Minha mãe, por outro lado, vivia em um mundo diferente. A fachada da família perfeita era tudo para ela. Suas festas, seus eventos, o fingimento de que tudo estava em ordem enquanto as fundações da nossa sociedade ruíam.

Mas eu nunca fui boa em me submeter a essa falsidade. Isso era algo que sempre nos separava.
Ela queria uma filha que seguisse os passos dela, que sorrisse para as câmeras e desse continuidade ao legado da família.

Ela tentava evitar conflitos maiores comigo, afinal eu já era uma mulher independente, uma policial dedicada. Mas sabia que no fundo, ela não aceitava minhas escolhas.

Eu queria mudar o mundo, ou pelo menos, mudar o mundo que eu conhecia. Zaun precisava de alguém que lutasse por eles dentro das paredes de Piltover, e se isso significava ir contra o conselho e contra minha própria mãe, que assim fosse. Não seria a primeira vez e nem a última.

Me peguei pensando em tudo isso enquanto olhava para o calendário na parede. Novamente a pontada atingiu meu peito quando percebi que o aniversário de Violet estava chegando. Imaginei se ela comemoraria e com quem...

A campainha tocou, quebrando esse pensamento infantil e agradeci por isso.

Era Ada, uma velha amiga de infância que havia voltado de mais uma de suas viagens há poucos dias. Abri a porta fingindo uma reverência e ela entrou animada, trazendo o cheiro de chuva e um sorriso caloroso que me fez sorrir também.

— Cait! — Ela me envolveu em um abraço apertado. — Que saudade! Ouvi dizer que está trabalhando demais como sempre. - ela revirou os olhos, fingindo indignação enquanto ajeitava os cabelos loiros demais.

— Não tenho muito o que fazer por aqui quando você viaja, Ada. — murmurei retribuindo o abraço. — E você? Como está?

Ela me contou sobre sua vida, sua última viagem e os lugares que visitou. Era bom ter Ada por perto. Ficamos conversando por horas e eu me permiti gargalhar das suas histórias e aproveitar meu dia de folga na companhia da minha amiga.

— Então, eu soube que tem uma boate nova na estrada ao sul de Piltover — Ada disse animada enquanto batia palmas — E eu vou te arrastar pra lá no sábado, não adianta tentar escapar.

Suspirei pesadamente e tentei recusar, mas ela insistiu. No fundo, eu sabia que ela só queria me ver bem, tentando me lembrar de que ainda havia vida além do trabalho e além da culpa.

— Vai ser divertido, eu prometo. — Ela sorriu, tentando me convencer. — A gente vai dançar, beber, rir... esquecer um pouco desse caos todo.

Eu sabia que ela tinha boas intenções, mas por mais que eu tentasse, não conseguia enxergar diversão em nada disso. A imagem de Violet sorrindo surgia na minha mente sempre que eu pensava em momentos felizes.

- Ok. Eu vou. Mas se tiver karaoke, não ouse me arrastar pro palco. Eu ainda sou a autoridade por aqui.

- Certo, oficial. Nada de cantoria, até porque você é péssima, as pessoas não merecem passar por esse tipo de tortura. - ela deu uma risada alta e continuamos a conversar por mais algum tempo.

Quando Ada foi embora, reli alguns casos que precisavam ser investigados, organizei arquivos e trabalhei no projeto de bolsas de estudos que queria implantar entre Zaun e Piltover.

Eu faria tudo pra melhorar as coisas pra eles. Para Violet. Mesmo que isso significasse não vê-la mais.

Eu já quis tanto ir até ela...
Mas eu não podia, não havia espaço para um romance entre o caos e a ordem. Eu já tinha me acostumado com essa ideia, mas não tornava as coisas mais fáceis.

Minha cabeça pesava de exaustão, mais um dia terminava. Amanhã, eu enfrentaria o conselho novamente e lutaria por Zaun, por Vi, mesmo que ela nunca soubesse. Mesmo que meu coração continuasse nessa luta entre esquecer e lembrar. Porque por mais que eu tentasse, não dava pra apagar nada do que tivemos.

E talvez esse fosse o preço que eu pagaria pelo resto da minha vida. A falta, a dor, a constante lembrança de que o amor não basta para consertar o mundo, por mais que a gente tente.

Mas era um preço que eu pagaria mil vezes se significasse um futuro melhor para ela, para todos que ela ama.

Mesmo que eu fique de fora desse futuro.

Love is a battlefieldOnde histórias criam vida. Descubra agora