Recomeço

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Era uma tarde agradável, um vento fresco entrava por entre as janelas gastas do bar, soprando as folhas do jornal acima do balcão.

O cheiro de madeira velha e álcool barato me despertavam memórias agridoces de quando Vander ainda estava aqui e tudo era menos complicado.

Eu estava apoiada na parede, observando a cidade lá fora e me perdendo em pensamentos, repassando tudo o que tinha acontecido depois de todo o caos que passamos.

1 ano. Suspirei.
Já fazia um ano desde a batalha com Varyt.

Não era como se tudo estivesse perfeito agora. A subferia que antigamente era sinônimo de desesperança, agora parecia recomeçar em uma luta constante e silenciosa pela sobrevivência, nos levantando aos poucos mesmo repletos de cicatrizes profundas.

Há 1 ano atrás, após Darah ser ferida por... Caitlyn, o exército de Varyt recuou, fugindo como os grandes covardes que eram.
Assim como Darah e seu pai que desapareceram do mapa depois de diversas acusações e denúncias vindas de seu próprio povo.

E Piltover... bom, eles agora nos mandavam ajuda, como se tentassem limpar a culpa que os rodeava por ceder hextec para Varyt nos atacar. Uma tentativa de fingir que não sabiam de nada, que foram tão enganados quanto nós. Até parece...

Cada caixa de ajuda que chegava era como um pedido de desculpas, ou talvez só uma forma de amenizar a revolta da subferia.
Mantimentos, remédios, roupas, tudo vindo de uma cidade que sempre nos viu como escória.

Mas eu deixaria isso passar, por enquanto... Nosso povo precisava de ajuda e aceitaríamos a mão que eles estendiam, por mais suja que fosse, mas não sem manter um olho aberto e um punho preparado.

Heimerdinger e Ekko já estavam sendo cotados por Piltover para formar uma espécie de conselho Zaunita que discutiria diretamente sobre uma possível independência da subferia. Mais uma tentativa deles de nos manter na linha.

Depois de tanta merda, era realmente difícil acreditar que eles nos dariam essa liberdade toda. Liberdade não é o tipo de coisa que se ganha de graça e obviamente eles não fariam isso sem uma garantia para si próprios.
Mas tínhamos problemas maiores agora. A subferia por mais destruída que tenha ficado após a batalha, ainda estava de pé.

Ao longo desse ano, me envolvi em muitas brigas, a grande parte delas com Sevika, que acabou cedendo de bom grado e sem nenhuma interferência minha (aham), o última gota pra mim. Era o bar do nosso pai, nada mais justo que fosse nosso, embora Jinx não ligasse pra isso.

Sevika ainda aparecia por aqui algumas vezes, mas dizia que vinha em paz, "bandeira branca, gracinha"

Eu sabia que ela continuava com suas operações ilegais por debaixo dos panos, mas estávamos tentando não se envolver na vida da outra por enquanto. Por mais errada que ela fosse, também havia lutado pela subferia na batalha e eu estava cansada demais pra criar mais uma briga agora.

Jinx não ficava muito no bar, diferente de mim, que assumi a maioria do trabalho e realmente gostava disso. Era quase como estar perto de Vander de novo, como se sentisse seu olhar sobre mim.
Eu sentia falta dele, pra caralho. Mas pelo menos agora, Jinx estava aqui.

Ela estava melhor, já conseguíamos manter uma conversa sem que ela começasse a surtar ou me ameaçasse de morte. Ficava a maior parte do tempo junto de Ekko em seu laboratório e não havia causado problemas recentes. Não que eu soubesse, pelo menos.

Meus olhos se voltaram para o jornal acima do balcão e senti uma pontada no peito.
Suspirei, olhando para a foto dela na primeira página.

"Defensora e herdeira de uma das principais famílias de Piltover, Caitlyn Kiramman desmantela rede de tráfico e recebe homenagem", dizia a manchete em letras imensas.
Ela estava linda pra cassete naquela porra de foto, séria, determinada.

Um ano. Um ano desde a batalha, um ano desde que prometi a Jinx que não a procuraria mais.

Eu me sentia ridícula e infantil, eu a amava, claro, e talvez sempre fosse amar. Por mais que eu tentasse esquecer dela me envolvendo em brigas, socando os adversários até minhas mãos sangrarem, acabando com os estoques de bebidas do bar, ficando com mulheres aleatórias... nada disso fazia o sentimento por ela sumir e isso era um saco.

Aquela promessa à Jinx era de certa forma uma promessa pra mim também. O lugar de Caitlyn não podia ser ao meu lado, nossos mundos não eram compatíveis e sabíamos disso.

Mas isso não tornava as noites mais fáceis. Não tornava o vazio em meu peito menos doloroso. A cada dia, eu acordava e esperava não sentir tanto a falta dela. A cada dia, eu falhava miseravelmente.

Queria saber se ela pensava em mim. Queria saber se sentia o mesmo vazio que eu sentia. Mas nunca tive coragem de descobrir, nunca a procurei e nem iria. Eu era o caos, a rebelião. Ela era a ordem, a autoridade. E no meio desse campo de batalha, não havia espaço para um romance. Não sem que alguém saísse quebrado.

Jinx entrou pela porta, seu olhar vasculhando o lugar antes de pousar em mim. Seus olhos uma vez cheios de ódio e confusão, agora estavam mais calmos.

— A cidade está se levantando — ela disse se jogando preguiçosamente em uma banqueta em frente ao balcão. — As pessoas estão... sei lá, esperançosas, é estranho. Ekko acha que podemos realmente conseguir, sabe? Com o conselho e tal.

Eu apenas assenti, servindo uma dose de bebida pra mim e bebendo tudo em um gole.

— E você? — perguntou ela, com uma expressão julgadora. — Como tá?

— Tô de boa... sobrevivendo — respondi tentando sorrir.

Ela inclinou a cabeça, como se não estivesse totalmente convencida mas não insistiu. Ficamos em silêncio por um tempo, ouvindo o rádio tocar baixinho. Ela cantarolava e batia as mãos no balcão no ritmo da música, eu e acompanhei e logo estávamos fingindo cantar em microfones imaginários como fazíamos quando éramos crianças.

Era bom ter momentos assim com ela, estávamos em paz, ela estava estável, Zaun estava se recuperando, e eu ainda respirava. Isso tinha que ser suficiente.

Ela se virou, segurando minha mão.

— Eu sei que você sente falta dela — disse quase em um sussurro. — Mas eu... eu realmente acredito que foi o melhor. Para você. Para ela.

Eu apertei sua mão de volta, sem conseguir responder. As palavras estavam presas em minha garganta, pesadas demais para serem ditas, porque eu sabia que ela tinha razão, mas isso não fazia a dor diminuir.

Quando ela saiu, fiquei ali sozinha, encarando o vazio. O rádio mudou para uma música mais animada, mas o som era apenas um ruído distante. A vida na subferia estava se reconstruindo, assim como minha relação com Jinx, mas eu?

Eu estava presa no passado, nas lembranças de algo que não poderia ser. Um sentimento que ainda queimava em meu peito mesmo eu fazendo de tudo pra arrancá-lo de mim.

Em um ato de ódio, amassei a porra do jornal e o arremessei no lixo. Que se foda tudo isso.

Abri o bar e atendi cada cliente da forma mais simpática que consegui, o que não era grande coisa vindo de mim. As horas passaram rápido enquanto eu servia bebidas, conversava com alguns conhecidos, expulsava os que causavam demais e devolvia os flertes de algumas mulheres.

Ao final do expediente, quase manhã, sai pelas ruas mal iluminadas determinada a arrumar algum tipo de briga só pra ocupar a cabeça um pouco. Mas meus planos mudaram quando encontrei uma loira voluptuosa no caminho, ela sorriu pra mim de forma provocativa e eu entendi o recado indo em direção a ela.

Um pouco de diversão não me mataria, certo?

Love is a battlefieldOnde histórias criam vida. Descubra agora