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No dia seguinte, eu estava me sentindo mais assustada do que nunca

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No dia seguinte, eu estava me sentindo mais assustada do que nunca. Não fazia a mínima ideia do que fazer a seguir. Se eu decidisse ter aquele bebê, isso significaria que cada atitude minha refletiria diretamente na vida de alguém. Teria que criar um ser humano, moldar caráter, ensinar valores… Mas como eu podia fazer isso se havia dias em que eu mal conseguia manter a sanidade? Dias em que gastava toda a minha energia só para me levantar da cama. Como eu cuidaria de alguém? Como supriria as necessidades emocionais e mentais de uma criança se eu não conseguia fazer isso nem por mim mesma? E se, além de tudo, ele ou ela herdasse minha bipolaridade? Estaria condenando alguém a viver os mesmos ciclos que me consumiam.

Antes que pudesse me dar conta, lágrimas já escorriam pelo meu rosto. Corri para o banheiro, tentando me recompor, mas, ao me ver de toalha diante do espelho, parei. Como eu não tinha notado antes? Tudo bem que eu usava roupas largas, mas como alguém chega ao ponto de não perceber as mudanças no próprio corpo? A resposta era simples: a batalha interna que eu enfrentava diariamente roubava qualquer percepção do mundo ao meu redor. E esse era mais um motivo para eu acreditar que não podia ter um filho.

Mais uma vez, tudo o que eu queria era minha mãe. Queria sentir aquele abraço que só ela sabia dar, ouvir as palavras exatas que ela sempre encontrava para cada situação. E, de repente, as lágrimas não eram mais só sobre a gravidez. Eram sobre ela. Sobre o vazio enorme que a ausência dela deixava em mim. Sobre o quanto essa decisão seria mais fácil se ela estivesse aqui para me aconselhar.

Ainda enrolada na toalha e com os olhos vermelhos, fui até meu guarda-roupa e puxei a caixa onde guardava as coisas dela. Vasculhei cada item com cuidado, e, entre lágrimas, sorri ao encontrar o lenço que ela usava no cabelo, os óculos, o terço… Até que, escondida dentro da caixinha de música antiga, encontrei uma carta amarelada pelo tempo. No envelope, em sua letra familiar, estava escrito: “Abra isso no momento que achar melhor.”

Respirei fundo, umas dez vezes, antes de finalmente criar coragem para abrir e ler.

> "De: Vânia Lúcia
Para: Leonor Harvey

Ou melhor, da mamãe, para a minha Leleca.

Oi, Leleca! Eu não sei quantos anos você vai ter quando achar essa carta, mas, se você achou, é porque eu não estou mais aqui (até porque sabemos que eu jamais deixaria minha caixinha assim). Se isso realmente aconteceu, sei como você deve estar se sentindo. Eu fiquei assim quando perdi a minha mãe. Mas não deixa isso te abater, filha. Você é minha Leleca, a menina forte e cheia de garra que eu criei. Alguma vez já se perguntou por que eu te dei esses nomes tão incomuns, comparado ao do seu irmão? Leonor significa “luz”, e Harvey significa “governante”. Se invertermos a ordem, fica “governante da luz”, porque é isso que você fez comigo.

Sei que você se sente culpada por seu pai ter ido embora, mas, filha, isso nunca teve nada a ver com você. E eu sinto muito por ter escolhido um pai ruim para vocês. Sinto muito por ele não estar presente na sua formatura, no seu casamento, no nascimento do seu primeiro filho... Ah, Léo, como a mamãe queria estar em todos esses momentos! Como eu queria ver uma mini cópia sua me lembrando dos melhores anos da minha vida. Mas, caso eu não consiga, me conforta saber que criei um homem incrível, seu irmão, que vai estar lá para você em tudo. Vocês são tudo o que eu sonhei, Léo, e eu não mudaria nadinha. Se eu tivesse que passar por tudo de novo, passaria.

Mil Versos -apollo McOnde histórias criam vida. Descubra agora