O lindo rosto em uma sepultura

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Eu jamais esqueci o meu primeiro contato com o sobrenatural. Em minha alegre e feliz infância nos reuniamos para brincar, em nosso quintal, embaixo dos pés de manga, sentindo a deliciosa brisa da manhã. Nossos carrinhos de lata de sardinha, pneus velhos de carro, balançador improvisado nao galhos, os dias que pareciam ser eternos. Já estava chegando o nosso horário do almoço. Todos voltávamos correndo para casa. Eu nunca corria primeiro. Eu gostava de chegar em casa por último e olhar para o horizonte, sentir um pouco mais o vento em meu rosto. Nesse dia ouvi vindo do horizonte uma voz. Era uma voz groça, mas carinhosa. Foi a coisa mais importante que eu ouvi em toda minha vida. Desde criança eu sempre gostei das coisas mais simples, frágil e feminina. Quando eu estava brincando de carrinho, ainda escolhia como parceiro uma de minhas primas ou irmã mais nova. Eu achava os meninos intolerantes e mal educados. Eu ouvi aquela voz deliciosa falar apenas: Vocês estão brincando? Deus está aí perto!! Eu olhei para o céu, mas com medo de encarar o horizante outra vez. Eu fiquei tremendo pela surpreza. Eu ainda não sabia nada sobre Deus. Sabia apenas que minha mãe e parentes me levavam à igreja e falavam em um Deus. Eu estava com 7 anos de idade. Cheguei em minha casa e recebi uma alegre noticia. Meu tio iria à casa de minha avó, e convidou-me juntamente com meu irmão para acompanhá- lo, em uma caminhada de duas horas, até o seu sítio, em uma trilha de matagal. Fomos. Felizes conversávamos pelo caminho. Olhando os gados no pasto. apontando e admirando tudo que via. Era a primeira vez que eu saia sem a companhia de minha mãe. De repente um grito ecoou no horizonte. Agora diferente. Em uma região onde não havia onças, leões ou tv. Ouvi o alto grito. Fiquei tomado de pavor. Pedi meu tio e meu irmão para corrermos. Eles apenas me ignoram e disseram: acho que você não devia ter vindo. Você está com medo de quê?
Meu coração acelerado e olhando por todos os lados. Meu tio falou: calma, estamos chegando, e não lhe trago mais comigo... Passamos tres dias na casa de minha vó. Voltamos. Para meu alivio. Cheguei em casa e me deparei com mais uma novidade. Eu nunca tinha ouvido falar em cemitério. O irmão de um conhecido tinha falecido acometido por hepatite no garimpo, seu irmão era bem achegado a nossa familia. Quando ele vinha a nossa cidadezinha sua hospedágem era em nossa casa. O corpo chegaria para ser velado no cemitério da vizinhança. Eu ainda não sabia que um ser humano tinha que ser posto dentro de um caixão e ser enterrado dentro de um enorme buraco. Eu nunca tinha visto um velório e nem um homem morto. Fui com toda minha familia ao velório. Quando todos saimos da capela não fui à beira da sepultura, como todos. Ví mais uma grande novidade. As catacumbas com seus epitáfios. Eu não sabia ler e nem que aquelas fotografias onde haviam apenas fotografias de rostos, eram de pessoas mortas e enterradas. Me deparei com algo que, mesmo se eu quizesse, jamais esqueceria. O rosto da fotografia era muito lindo. O rosto mais lindo que eu já tinha visto. Começou a nascer em mim um sonho e uma piedade por aquele rosto. O sonho de encontrá-lo. E a piedade que comecei a sentir era uma novidade que eu nåo sabia e nem entendia. Algo me dizia que ele estava sentindo uma grande dor nos ossos. Eu falava comigo mesmo: Esse homem é um pastor que conhecerei quando eu crescer. Eu fitava o seu rosto e pensava comigo mesmo. Como é lindo esse homem. Procurarei esse rosto onde quer que eu for. Um dia vou vê- lo de pertinho pois esse homem é um pastor. Quando dei por mim o defunto já tinha sido colocado na spultura e o barulho de barro no caixão já levava muita gente aos soluços ao som de um canto fúnebre, fervoroso e para mim, muito triste. Voltamos para casa. Esqueci o velório e fui brincar exatamente com a bolsa do defunto que seu irmão e nosso hóspede deixou em um canto de nossa sala. Meu irmão mais velho me deu um raio e disse: Pare de brincar com essa bolsa. O dono dela pode voltar e puxar seus pés à noite... foi mais uma razão para mim voltar a estremecer novamente de medo. Fiquei apavorado e trêmulo outra vez. Fui dormir essa noite tomado pelo pânico. Embrulhei -me da cabeça aos pés e simplesmente adormeci. Pela manhã ouvi uns comentários estranhos. Meu irmåo falava e todos comentavam com admiração e espanto. A bolsa não parava de correr na sala. Minha mãe levanta-va se e fazia uma oração a Deus, repreendia o demônio. Mas a bolsa sempre corria em direção a meu quarto. Até que minha mãe levantou-se e repreendeu novamente. Acordei com esses comentários que me causavam medo e terror. Eu simplesmente não queria mais ouvir falar em pessoa que já morreram.

A Face negra da santidade.  O amor de Deus por um pecadorOnde histórias criam vida. Descubra agora