Felicidade em ser "o que eu não era"

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Eu me sentia cada dia mais feliz. Já estava terminando terceira série. A coisa mais importante para mim sempre foi me sentir inteligente, solicitado, prestar um favor, doar, me sentir amado. Salomé* se aproveitava dessa situação. Me fazia de bobo. As menininhas me adoravam. Gostavam de mostrar suas bonecas, brinquedos. Eu era sempre solicitado em suas brincadeiras. Eu adorava brincar de pular elástico com elas. Brincar de escolinha era minha diversão favorita. Os coleguinhas de minha idade já estavam começando a entender um pouco da vida, como eu... já estranhavam meu comportamento. Já se dirigiam a mim com piadinhas. Quem pensa que garotos e garotas de 11 a 12 anos ignoram a vida sexual, por ser criança, estão pensando errado, pois essa fase é a idade de grandes descobertas. As vezes eu cedia ao pedido dos garotos. Eles chegavam de mansinho e falavam- me: Puxa, tu só quer brincar com as meninas.... vamos brincar com a gente, vamos pro campo jogar bola, vamos procurar castanha no mato, Vamos comer manga em baixo do pé, vamos pro igarapé. Então eu cedia. O mato era, geralmente a intensão principal. Todos faziam cocô no mato. Quando eu tambem descia o calção, a principal intensão dos garotos se manifestava. Um dizia logo ao outro. Olha a bundinha dele. Como é branquinha. Então se dirigiam a mim naquela volúpia de inicio de adolescência. Puxa Branco, deixa a gente passar a mão. Nós gostamos da tua bundinha. Vamos brincar de dar o cu. Deixa eu encostar meu pau. Todos de pau duro... eu inclusivemente. Mas eu sempre resistia, apesar da vontade. Só a um menino eu sempre sedia. Ele era mais convicente, mais insistente... e sempre conseguia aquele momento de sexo inocente, em que ele apenas tentava com força meter o pau no meu cu. Ainda não sabíamos o que era orgarmos. Era só azaração sexual infantil de menino do interior. Eu não sabia era que Salomé me seguia para ver o que eu fazia escondido no mato com meu coleguinha.
Chegou a grande noticia: minha avó materna se mudaria do seu sitio. Vinha ser nossa vizinha. Eu adorei a idéia. Ela veio mesmo. Minha memória sempre aguçada, nunca me deixou esquecer o primeiro momento com minha avó. Não lembro exatamente minha idade. Ela chegou em minha casa. Todos os meus irmãos e primos chegavam ao seu redor, abraçavam-na pedindo a bençåo. Ela abraçava a todos alegremente, beijava, sorria e dizia com prazer: Deus lhe abençoe meu filho. Então eu cheguei tambem naquela perspectiva infantil de ser recebido da mesma forma. Cheguei logo pegando em sua mão e pedindo, como todos, "a bença mãe véa"- Assim que falávamos no Maranhão-.
Ela, simplesmente, me ignorou. Repeti três vezes para ela me dizer Deus lhe abençoe.

E minha mãe lhe falou: "mamãe a senhora tem que esquecer aquela época. A senhora não pode mais se incomodar com aquele ocorrido e nem ter o meu filho como culpado".

Minha vó então me abraçou, como aos outros. Saí de perto intristecido. Perguntei a minha mãe: e o que aconteceu? Ela só falou: isso é conversa de adulto.

Sempre que eu pensava em minha vó, pensava tambem nesse dia.

Acabou o período de aulas, acabou -se a terceira série.
Minha mãe me falou então: devido a distancia de sua escola, o.acidente que você sofreu no caminho, as dores de pernas que você sente e até quase ficou paralítico, você não continuará na mesma escola. A escola particular é mais próxima. É nela que vou lhe matricular. Foi a melhor noticia de minha vida. A escola particular. Melhor e mais famosa, de farda mais bonita. Não vejo a hora do primeiro dia. Se tem uma coisa que sempre gostei foi de pensar positivo, criar uma boa expectativa pra tudo e pra todos. Meus amiguinhos(as) eram os melhores. Minhas professoras era uma mãe. Minha escola era a melhor do mundo. Imagine a considerada melhor. As diretoras de escola me davam uma impressão contrária. Eu as enxergavam como um tenente coronel, general de um exército cuja presença me fazia tremer, acelerar meu coração. Eu fazia tudo para ser o melhor aluno. Em fim, chegou o dia da primeira aula. Os alunos da escola todos considerados os mais ricos da cidadezinha. Tênis de marca, roupas bonitas, muito bem vestidos e lindas mochilas escolares. Um contraste com as escolas públicas em que estudei. Cheguei com minha roupinha de pobre, "pé na chinela", caderno na mão. Isso não me abateu. A professora pegou meu caderno. Olhou Um He-mam, que desenhei para enfeitar a capa e perguntou- me: foi você que desenhou isso. Respondi sem ter noção da consequência. Sim, foi. Ela se pôs em frente ao quadro negro e simplesmente me condenou: Olha o que esse aluno fêz. Quem faz uma coisa dessas não tem um pingo de respeito por seu material escolar. Como pode alguem sujar o caderno dessa forma? Não admito que ninguem suje seu material escolar dessa forma. Quero vocês de bolsa limpa, roupas limpas, perfumados em sala de aula. Então pensei, envergonhado e triste. Coração batento forte do inesperado vexame: nem bolsa eu tenho. Senti vergonha de minha roupa e meu pobre caderno. Chegou outra bomba à minha pobre alma novamente: a professora esqueceu a "lição de moral" com que acabara de mim detonar e veio com outra novidade desesperadoura para mim: Abram seu livro de lingua portuguesa na primeira página. Todos os alunos começaram a tirar seu lindo livro- meu sonho- da mochila. Puseram em cima da mesa comecando a folhear procurando a página desejada. A professora olhou aquela minha triste situação que novamente me deixou desolado e perguntou: Você não tem livros? Nessa escola todos os alunos tem que ter livros. Respondi envergonhado: meu pai ainda não comprou. Minhas mãos esfriaram nesse dia. Pela primeira vez senti o que era tristeza em uma escola.

A Face negra da santidade.  O amor de Deus por um pecadorOnde histórias criam vida. Descubra agora