Estou numa floresta e estou correndo. Mas não sei do que exatamente. Minhas pernas doem, e ouço passos rápidos atrás de mim. Mas não há ninguém. Tropeço em algo, e caio em um buraco sem fim. Desperto ofegante e assustada. São 05:50 e faltam dez minutos para o despertador tocar. Isso é uma droga. Fico deitada nos dez minutos que me restam e fico pensando no sonho, ou melhor, no pesadelo que tive. Parecia real, mas, sabia que não estava acontecendo de verdade. Sabia que podia acordar se quisesse, mas queria descobrir o que ia acontecer e deixei o pesadelo me manipular. Foi pior, a sensação de cair em um buraco é horrível.
Me levanto e vou preparar algo para comer. Estou sozinha em casa, minha mãe continua no hospital esperando Lexie receber alta. Devem chegar mais tarde. Fico um pouco com medo, olhando para todos os cômodos, esperando ver o tal "Bicho-papão". Mas não há nada. Tomo café com torradas — milagre não estou comendo cereal ou bacon com ovos — coloco uma calça jeans que vai até minha panturrilha, uma blusa de manga preta, e tênis. Ponho tudo que preciso na mochila e me direciono a porta. E quando abro me deparo com o Theo com a mão em direção à porta, deduzo que ia batê-la.
— A campainha existe. Está bem aqui. — digo apontando para ela.
— Tá, mas não queria tocar.
— Você queria me irritar, isso sim. Vamos. — fecho a porta e andamos em meio a rua deserta que, em pouco tempo, estará cheia de pessoas começando a semana.
— Tive um sonho terrível hoje.
— Como foi?
— Estava correndo numa floresta e vinha algo atrás de mim. Mas não havia ninguém, então cai num buraco e acordei.
— Devia ser o Monstro da Floresta.
— Monstro da Floresta?
— Nunca ouviu falar dele? Não conhece a lenda?
— Não — digo interessada. Espero que ele continue falando, mas fica calado e sério. — O que diz a lenda? — falo quase gritando e ele sorri de lado, e percebo que fez de propósito.
— Ah, sim — ele diz me olhando. — O Monstro é o dono da floresta. Há séculos atrás ele foi torturado por alguns jovens que zobaram dele. Ele ficou do mal, se transformou em um monstro e não deixa ninguém entrar na floresta. Deve ser por isso que estava correndo atrás de você, para te pegar. Ou, dizem também, que ele está a procura de uma garota para ser a "rainha" — ele diz fazendo aspas com as mãos — você deve ser a escolhida.
Fico impressionada com a história, mas não me dá medo.
— Isso é verdade?
— Claro que é. — fico séria e pensando em tudo o que ele disse. Quando Theo começa a gargalhar. Tanto que põe a mão na barriga por não aguentar. Não entendo e fico por um momento o observando. Ele ri tão alto que faz eco. — Você acreditou mesmo? — ele diz enxugando as lágrimas de tanto que riu.
— Seu idiota! — começo a lhe dar murros em seus braços e pelo jeito que fica, parece que estou fazendo cócegas.
Ele me abraça segurando meus braços.
— Tinha que ver sua cara quando estava contando a história. — Ele sussurra perto de mais do meu rosto.
— Você inventou tudo?
— Sim. Mas, vai que ele existe mesmo.
— Você é tão estúpido. — digo e ele sorri. — Nem levou a sério o sonho.
— Levei, mas queria te irritar um pouco.
— Bom, você conseguiu. E acho que já basta por hoje. — rimos e em poucos minutos chegamos na escola.
Continua cedo, então deixamos nossas bolsas na sala e caminhamos em direção ao campus.
— Lembre-se que vamos perguntar a Victoria e Chad sobre eles.
— Sobre isso, eu estava pensando, será que não seria invasão de privacidade o que estamos fazendo? Estamos desrespeitando o espaço deles. Talvez não seja nada de mais.
— O quê? Devia ter levado você comigo. Quem vive em um lugar daqueles com certeza esconde algo. Nem vem Heather, de hoje não passa.
Penso no que ele diz e vejo que tem razão. Ele sempre tem. E seja lá o que eles escondem, decido que depois disso irei me afastar deles. Não ficarei com uma garota que roubou minha amiga, nem com o cara que me beijou e depois ficou super estranho comigo. Nós os avistamos no campus, andando os três — é, Jen já está com eles, nunca chega cedo, mas agora ela é pontual — em nossa direção sem nos ver. Coloco as mãos nos bolsos da frente na calça, pois é a única coisa que sei fazer quando não sei o que fazer.
— Oi, gente. — Jen é quem fala e isso soa estranho.
— Oi. — Theo e eu dizemos em uníssono.
— Aconteceu alguma coisa Heather? — Pergunta Chad.
— Ahn... Sim, só alguns imprevistos em casa. — Dessa vez consigo tirar os olhos do meu tênis.
— Theo, você faltou quase a semana inteira. Perdeu muita coisa. — Diz Victoria.
— Não se preocupe, já me atualizei de tudo. Inclusive, tem um trabalho em equipe.
— Sobre política, onde haverá um debate na sala. — Chad completa.
— Sim, vamos começar a pesquisar e estudar sobre o assunto.
— Aonde vamos nos encontrar? — Jen pergunta. — Porque se quisermos estudar para valer vai ter que ser mais do que aqui na biblioteca.
— Não dá para ser lá em casa. Lexie está doente. — Finalmente consigo falar algo útil.
— Podia ser na casa de vocês. — Theo fala, tão sutil que sinto vontade de rir.
Victoria e Chad se entreolharam em busca de uma resposta.
— Bom, já está na hora de ela saber. — ela faz uma cara de quem disse algo errado. — Quero dizer, vocês.
— Saber o quê? — Jen pergunta.
— Vai ver. Depois da aula vamos direto para lá.
— Direto? — Theo fala. — Não seria melhor passarmos em casa primeiro... — Chad o interrompe.
— Não, vocês almoçam lá, é melhor.
Nesse momento até Jen acha tudo muito esquisito. Nos entreolhamos e percebo que foi fácil demais convencê-los.
— Combinado, então. — digo de modo a tirar a tensão que pairou entre nós. Eles saem dizendo que precisam pegar alguns livros que faltavam receber desde que chegaram aqui na escola. Jen fica sem saber o que fazer na hora, por saber que estou com tanta raiva do que ela fez.
— Vocês já se acertaram? — ela pergunta, meio sem jeito.
— Sim. — responde Theo com toda convicção. — Já você, não quer nem saber da gente.
— Não é isso. Só estou dando... Um tempo com vocês.
Dando um tempo? Como assim? Agora ela deu para ser sentimental?
— Ah, sem nos avisar! Entendo totalmente! — ele não é muito de ironias, mas quando começa, é difícil fazê-lo parar.
— Não entendem agora, mas depois vão me agradecer.
Ela vai embora sem esperar resposta.
— O que ela quis dizer com isso?
— Não faço ideia. Mas se você ainda ama a Jennette, deixe que ela escolha isso. Deve ser só mais uma das suas fases.
Isso era verdade. Desde que seu pai morreu, num acidente quando tinha apenas 14 anos, a deixou diferente. A conheci quando tinha 15, mas ainda era evidente que a dor não passou. Apesar do seu jeito dura, ainda não superou. Até porque, não devemos superar. Não devemos simplesmente esquecer as pessoas que amamos. Esquecer seria horrível. E ela era muito apegada a ele. Sempre que isso apertava seu coração, se afastava da gente e não fazia nada. Talvez fosse isso.
— É, você tem razão.
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A Herdeira
AdventureTudo parece estar normal na vida de Heather Stinfer, e o que apenas a preocupa, é o futuro acadêmico. O seu pai, de quem ela nem se dava ao trabalho de lembrar, volta à tona, mas com uma notícia que mudará sua vida, através de duas pessoas misterios...