[LUANA]
Precisei me lembrar como se respirava. Ali, na escada gelada do meu prédio, o ar parecia rarefeito. O dia estava sendo péssimo. Péssimo, não! Péssimo e todos os seus sinônimos. É engraçado como as coisas que começam perfeitas tem uma tendência absurda a se tornarem verdadeiros desastres. Assim tinha sido o meu dia.
Primeiro, eu acordei. E acordei com a casa silenciosa. Minha mãe e meu pai não deram uma palavra durante o café da manhã. Um dia sem brigas, isso é um milagre! Rafa ainda estava no chuveiro quando eu sai. Sem conversas chatas envolvendo jogos de computador que eu não entendo com irmãos de dez anos. Para melhorar todo o ambiente, era terça-feira, oito horas da manhã e eu estava indo malhar. Mais que uma questão de estética - já que meu corpo estava longe do que eu queria, sobrevivendo ao último ano à base de salgadinhos horríveis da cantina da escola -, mas era uma necessidade. Tive duas crises de coluna nesse ano. Horas sentada estudando e a correria entre a escola e o curso pré-vestibular faziam minha coluna ficar pior do que já era. E eu estava indo malhar! Dei um saltinho pelo corredor, enquanto saía do prédio. Depois disso, foi só alegria. Malhei bem, estava cheia de disposição e bebi muita água. Voltei pra casa, tomei banho, almocei e corri pra escola. Preciso confessar que, embora tenha participado da primeira aula, minha mente estava em outro lugar. Algo cutucou minha costela no segundo tempo, enquanto me perdia nas estruturas celulares desenhadas no quadro pelo professor de biologia. Nem precisei me virar para saber que era Pedro, meu melhor amigo.
- Ei, macaquinha - ele sussurrou.
- Fala, ETzinho - rebati.
- Posso sentar do seu lado?
- Eu estava me perguntando por quê isso não tinha acontecido antes. Te dou cinco segundos pra sentar aqui - disse, enquanto dava uma risadinha.
Pedro rapidamente se levantou e trouxe sua cadeira para perto da minha. Seu cheiro tão familiar me deixou infinitamente mais confortável. Ele era meu melhor amigo há três anos, desde que fui transferida para a escola. No começo, ele era apenas o garoto magro demais, branco demais que vivia escondido embaixo do cachos enormes e bem desenhados que iam até metade de seu rosto. Pedro era tão introvertido que demorou um mês para me dizer "oi". Insisti muito e aos poucos ele foi se abrindo. Ao longo desse último ano, eu o vi amadurecer e se abrir para o mundo, embora ainda estivesse preso à muitas feridas íntimas. Mas isso não importava. Quando macaquinhos, etzinhos ou qualquer outro nome que damos um ao outro estavam juntos, todo o mundo podia calar a boca. Pedro era uma das pessoas mais divertidas que eu conheço no mundo. Isso explica a risadinha que eu dei quando terminei minha frase. E, é claro, isso atraiu a atenção do professor, que balançou a cabela e continuou sua explicação sobre mitose.
- Então... - começou Pedro, mas instantaneamente parou. Sua mão voou pra testa. Ele passou a mão duas vezes acima dos olhos. Estava hesitando.
- O que foi, ET?
- Falou com seus pais sobre o teatro na sexta?
- Não. E nem vou falar. Você sabe como o clima lá em casa está insuportável. Hoje foi o primeiro dia que não presenciei uma briga pela manhã em meses. Não posso estragar esses pequenos momentos de "felicidade" - disse, dando ênfase com os dedos quando pronunciei a palavra felicidade. Era tão fácil falar com Pedro sobre a possível separação dos meus pais. Ele tinha enfrentado a dele quando nos conhecemos. E ele sabia exatamente como eu me sentia.
- É melhor mesmo, Lu. Vamos deixar pra próxima.
- Não fica chateado comigo - disse, pegando sua mão -, eu sei o quanto é importante pra você que eu veja a sua peça. Mas você sabe como são as questões que envolvem família. Tudo o que eu não quero é causar mais discussão.
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Uma Grande Bagunça
Teen FictionLIVRO GANHADOR DO PRÊMIO THE WATTYS 2016. ___________________________________________________________ Essa não é uma história sobre amor. Essa é uma história. Ponto. E histórias que falam sobre garotas que gostam de contar histórias são sem...