Uma Grande Bagunça

16. Sonhos

Karen odeia quando as coisas fogem ao seu controle. Primeiro, Davi não estava correspondendo como deveria. A ida ao cinema não aconteceu. Ele preferiu se entupir de pizza em seu quarto, ouvindo músicas depressivas, enquanto ela assistia ele 'cair ainda mais' de amores pela outra. A culpa é daquela mosca morta da Luana! 

Karen não está mais aguentando! Faltam alguns dias para o encontro com aquela idiota em sua casa, mas morrendo de curiosidade. Uma ideia surgiu à mente. Liga o celular, clica no Whatsapp e procura a tal conversa.

"Lu, amiga!! Não aguento de ansiedade para o nosso encontro" – diz ela, para Luana. Karen faz questão de fingir o quanto pode.

"Ai, pois é! Vai ser um dia agitado...hahaha" – responde Luana, imediatamente.

"Estou curiosa para saber quem roubou o seu coração, amiga!" – Devolve Karen.

"Ninguém roubou meu coração. Ele é um cara muito legal e é muito divertido estar com ele." –  Responde Luana, tentando esconder ao máximo de Karen o que está sentindo e vivendo. As desconfianças geradas por Júlia ainda estão mexendo com sua cabeça. Karen é sua amiga, mas não consegue mais contar pra ela coisas desse tipo .

"Ai, Lu, mata minha curiosidade! Me fala o nome desse sortudo! Quero saber  T-U-D-O!!!"

"Karen, você sabe como eu sou reservada..." – Responde Luana.

"Ah, Lu! Desde quando não sou digna da sua confiança?" – Retruca Karen, rindo da própria mensagem. Se aquela idiota soubesse do que ela fez e é capaz de fazer...

"Tá bom! Vou contar...O nome dele é Arthur."

Karen abre o perfil de Luana no Facebook e procura em seus amigos. Há pelo menos seis caras com nome de Arthur.

"Arthur de quê. Lu?"

"Perai, você vai stalkear ele no Facebook?" – Pergunta Luana, um pouco chocada.

"CLARO! Você acha que minha curiosidade vai me deixar viver até o dia em que resolver me mostrar alguma foto?" – Diz Karen. É verdade, cada segundo é uma agonia. 

"Só você, Karen! É Arthur Collins." – Cede Luana, embora esteja insegura. 

Karen digita o nome na barra de pesquisa e, quando abre o perfil, fica de queixo caído. Chocada, ele vasculha cada foto. NÃO! COMO ASSIM? Ela está fazendo de tudo para ter Davi, enquanto aquela mosca morta da Luana tem um encontro com aquele cara... MARAVILHOSO! NÃO! POR QUE ELA SEMPRE TEM TUDO? POR QUE O MELHOR É SEMPRE PRA LUANA?

"Amiga, o que é isso? QUE HOMEM É ESSE?" – Solta Karen, no Whatsapp.

"O que foi, Karen?"

"Esse cara é MARAVILHOSO!!" 

"Ele é..." – Responde Luana, ingenuamente.

Uma olhada mais profunda no Facebook de Arthur deixa Karen a par de sua vida. Ele é mais velho, mergulhador, viajado, inteligente e MUITO gato! Aquelas fotos sem camisa valeram cada minuto que Karen levou stalkeando ele. Como aquela idiota podia ter tudo aquilo e ela não tinha nada?

Karen soca a mesa e sai com mais raiva ainda. Sua visão corre entre as fotos na parede até a foto de seus pais com ela, em seu último aniversário. Todos pareciam felizes, inclusive ela, que fingia o sorriso na foto. Ela fazia  tudo para conseguir dinheiro daqueles velhos que a tinham criado. Karen foi adotada quando ainda era bebê. Tudo o que sabe sobre sua família biológica se resume na história de sua mãe, que era empregada da família, que acabou engravidando muito nova. Pobre e sozinha, resolveu dar o seu bebê para aquele casal que não tinha filhos e voltou para sua cidadezinha do Sul, para continuar vivendo sua vida infeliz. Rejeição é só um dos sentimentos que ela precisou conhecer desde cedo. 

Sim, aquele casal a educou e muito bem. Karen é rica, bonita, popular. Tem quase tudo. Exceto Davi. Outra rejeição. Mas ela não admite mais ser rejeitada. Tudo o que puder ter e tirar das outras pessoas, ela vai conseguir. Inclusive dos seus pais. Inclusive de Luana, que tem a vida que ela sonhou.

Ela vai até o closet e se arruma para a super festa da qual foi convidada, na mansão de uma de suas falsas amigas. O único problema do seu plano se resume em um nome: Lígia, sua avó adotiva. Não acredito que vou ter que dar um jeito  e aturar essa velha insuportável, pensa.

- Vovó, eu queria muito te pedir uma coisa – Dispara Karen, em seu tom mais falso.

- O que você quer, Kaká? – Pergunta sua avó.

- Me dá dinheiro para pegar o táxi?

- Onde você pensa que vai?

- Ai, Vó, tem a festa da Babi hoje. Vai ser na casa dela, todo mundo vai...

- Karen, seus pais estão viajando. Nada de festas! Eu não posso me responsabilizar por você em uma festa!

- Mas, vovó...

- Já disse que não.

Karen encara sua avó por um tempo, enquanto a xinga mentalmente de todos os palavrões que consegue lembrar.

- Tudo bem, vovó, a senhora está certa! Que tal tomarmos o seu chá? – Pergunta Karen, fingindo ter aceitado a decisão da sua avó.

- Eu ia adorar, minha querida! – Diz ela, voltando a ver TV.

Karen vai até a cozinha e põe a chaleira para aquecer. Enquanto a água ferve, ela busca a cartela de calmantes fortíssimos que comprou para situações como aquela. Karen tritura cinco comprimidos, até virarem pó.

- Essa velha maldita vai dormir como uma égua! – Diz Karen, para ela mesma, enquanto termina o chá, despeja os calmantes e adoça.

Karen leva o chá cuidadosamente para sua avó. Pôs na porcelana japonesa. Tudo preparado nos mínimos detalhes.

- Aqui está o seu chá, vovó – diz ela, entregando para sua avó.

- Está quente?

- Não, morno. Tome, antes que esfrie!

- Obrigada por esse carinho, minha netinha, você é muito especial – diz sua avó, enquanto toma o primeiro gole – agora, por que não vai tirar essa roupa?

- Ah, é claro que eu vou tirar, vovó – diz Karen, enquanto vê sua avó tomar mais da metade do chá. Seus olhos se apagam lentamente e a xícara cai de sua mão, rolando no carpete até os pés de Karen –  É claro que vou tirar essa roupa, mas só se for nos seus sonhos. Até mais, vovó idiota.

Karen solta uma gargalhada, enquanto pega sua bolsa e sai do apartamento, disposta a beber tudo o que puder enquanto traça um plano ainda pior para Luana. Aquela idiota não podia ficar com Davi, tampouco com um cara melhor que ele. Se antes seu plano era de vingança por Luana ter tudo o que Karen queria, agora ela iria realmente destruir qualquer possibilidade de Luana ser feliz.