Bea&John

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- Bea! Você está aí? Bea! - os gritos de John podiam ser ouvidos por todo apartamento. Havia acabado de retornar do escritório, com algumas horas de atraso. Os machucados que Megan lhe proporcionou foram suficientes para levá-lo a emergência. Por sorte não quebrou o nariz, mas precisou colocar curativos. As bolas ainda latejavam quando largou a pasta em cima da poltrona predileta e deixou os sapatos na entrada. Estava irritado. Muito. Do que a melhor amiga da noiva estava falando?

Beatrice permanecia sentada na ponta da cama. A mala ainda estava vazia. Não tinha a mínima vontade de levar qualquer coisa que lembrasse John. Aquela altura, tudo ali o fazia. A blusa que ganhara no Dia dos Namorados, os sapatos que ele trouxera numa noite qualquer para agradá-la, os DVDs de seus filmes prediletos que recebia constantemente de surpresa e até mesmo a almofada predileta, que gostava de agarrar quando o rapaz estava fora, pois tinha seu cheiro. Sentia raiva de tudo aquilo. Raiva e tristeza. Não queria ter que se desprender de tanta coisa, mas precisava. Nada ali significava mais do que uma mentira. O John que conhecia era uma mentira. Falso como todas as palavras bonitas que proferia. Enganoso como as mensagens fofas que mandava durante o dia. Beatrice se pegou imaginando se ele também mandaria textos para a outra garota. Se fazia as mesmas coisas ou era completamente diferente. John seria um camaleão, disposto a conquistar as mulheres por suas fraquezas? Teria o dom de se transformar nas fantasias mais profundas de cada uma? O que ele queria afinal? Sexo? Diversão? Controle?

Quando ouviu os passos no corredor, achou melhor descobrir da maneira simples.

- Quem é você? - perguntou, recebendo um olhar confuso do noivo, que dizia algo sobre Megan que ela já imaginava o que era. E sabia o motivo. Quis rir quando viu o curativo no nariz do companheiro, pois ele merecia isso e um pouco mais. Se sentia quebrada, invadida e traída. Sentia a ponta da faca no peito, por mais que ela não existisse verdadeiramente. A pressão era palpável.

- Sou o John, ora! E você viu o que a Megan fez?! Olha, eu só não dou queixa porque ela é sua melhor amiga, mas quero saber o porque disso! - John estava nervoso e apontou para o rosto ferido, com um semblante enraivecido. Só então reparou na mala aberta em cima da cama.

- P-pra onde você vai? Bea, nosso casamento é Domingo. - começou, sentindo a voz falhar. John encarou a noiva e tentou se aproximar, mas naquele momento Beatrice se levantou de forma furiosa, mantendo-se distante. Era a primeira vez que a via fora de controle.

- EU QUERO SABER QUEM É VOCÊ! - gritou, finalmente colocando parte de seu sofrimento para fora. - QUERO SABER QUE CARALHO DE HOMEM É ESSE QUE ME PEDE EM NOIVADO E SAI COM COLEGIAIS! É ISSO QUE EU QUERO SABER! - Beatrice sentia a voz sair de forma gutural, mas não conseguia controlar. Estava ferida e acuada, como um bicho. Era nessas horas que até o mais manso dos animais agia. Percebeu o semblante do noivo mudar. Era como se tivesse acordado e percebido do que se tratava o assunto.

- B-Bea, não é assim, por favor. Por favor, me deixa explicar. - ele começou, tentando acalmar os ânimos. - Eu te amo, Beatrice. Nunca faria algo pra te machucar. - tentou dizer, mas sua frase fez a noiva urrar de raiva e arremessar nele o porta retrato mais próximo, assim como um enfeite do criado mudo. Segurou o abajur, preparando para o próximo arremesso, mas se conteve. Ela gostava daquele. Era o seu, de pequena, que havia trazido. Uma das poucas coisas que não a faziam lembrar do noivo. O colocou na mala.

- Beatrice, por favor. Eu... cacete! Bea, eu sou um idiota. - John começou, se sentando no chão e apoiando as costas na parede. Enquanto Beatrice começava a colocar algumas coisas na mala, o rapaz enxugava as lágrimas que tentava conter. - Eu realmente te amei. Juro, tudo o que passamos foi real. Só que... eu sempre tive uma vida focada em outras coisas. Coisas que eu não queria. Eu sempre quis ser artista. - explicou, respirando fundo. Beatrice se sentou na cama e o observou, esperando que continuasse.

- Quando eu tocava violão, me sentia bem. Poderia viver só disso. E eu queria. Só que você conhece o meu pai, ele não falaria mais comigo. Acabei seguindo a minha segunda ou terceira opção e vingou. Depois disso, as coisas foram acontecendo. Eu fui me dando bem no trabalho, fui parando de tocar, conheci você... tudo automaticamente. Até eu parar um dia na rua e...

A história foi longa. Beatrice escutou com atenção toda a explicação de John, que se sentia infeliz com a vida que levava. Forçado a viver no automático desde que saíra da faculdade, foi empurrado pela correnteza até se agarrar em um violão no meio do caminho. A garota, Sarah, era uma caloura de música que conseguia trocados na rua. Chamou a atenção de John. Ele, se sentiu um garoto novamente. A crise da meia idade tinha chegado cedo demais. Aos vinte e nove anos, o publicitário se via desmarcando reuniões à tarde para tocar em bares e viver uma segunda vida universitária. Mudava completamente. De homem moderno e bem sucedido, passava a jovem desleixado e despreocupado, o que parecia amar. Já estava nessa aventura há seis meses. Ao falar da garota, Beatrice podia ver que não havia nada mais em sua mente. Sentia nojo todas as vezes que lembrava da data de seu casamento e dos convites enviados.

- Então porque? Porque você seguiria com tudo isso, John? O que você quer? - perguntou por fim, sentindo os olhos encherem d'água.

- E-eu acho que quero tudo. - respondeu o noivo, engolindo em seco.

- Mas eu não aceito fazer parte do seu tudo. Eu quero uma família e alguém para amar, não qualquer um e qualquer coisa. Não pode me colocar como mais uma opção na sua vida, porque tem medo de ser quem é. Você me enganou por todo esse tempo, fingindo querer o mesmo que eu só para me ter por perto. Fui obrigada a descobrir da pior forma. E não vou aceitar isso, John. Chega. - Beatrice finalizou jogando o anel de noivado na direção do companheiro. Guardou na mala o abajur, as primeiras peças de roupa que utilizou ao se mudar e o ursinho de pelúcia que guardava dentro do armário para dar sorte. Lembranças de infância. Fechou tudo e rumou em direção a sala. John levantou-se e seguiu seu encalço, tentando dizer algo, mas Beatrice o calou erguendo a mão espalmada. Não queria mais ouvir uma palavra. Antes de sair, pegou o porta-retrato com a foto das amigas e deu uma última olhada no apartamento.

- Obrigada por destruir tudo. - disse por fim, saindo e fechando a porta.

E John ficou sozinho.


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