Beatrice&Ives

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Beatrice tentava se abster de recordações dolorosas. Queria apenas pensar em Paris, nos dias quentes e raros de Outono e no incrível plano de passeio que tinham criado. Junto de Ives, conheceriam a noite parisiense, que ainda era misteriosa. No dia anterior, tanto ela como Megan estavam exaustas e passaram bons momentos conversando na jacuzzi e bebendo champagne. Outra surpresa. Pela primeira vez em dias, algo bom. Não conseguiam pensar em um nome para o admirador secreto, que decidiram no fim das contas chamar de Destino. Poderia estar se redimindo depois de tudo o que as fez passar.

Bea sempre sonhou em visitar a cidade luz. Tirar fotos nos lugares marcantes dos filmes e poder até mesmo repetir frases. Se divertia ao pensar nisso. Imaginava que depois do casamento, ela e John poderiam se organizar e passar férias de verão num recanto romântico e agradável. Onde tivessem a oportunidade de se divertir, sozinhos, sem nenhum conhecido. Queria a todo instante tirar da cabeça os cabelos dourados do ex noivo e sua forma de sorrir, mas era quase impossível. Ao pensar em Paris, também pensava em John.

E em tudo o que passou.

Estava sem dúvida no fundo do poço. As notícias de Glasgow não eram animadoras. Recebeu um telefonema da mãe, que parecia feliz por vê-la longe de casa. Mesmo tentando não passar informações dolorosas para a filha, Barbara acabou deixando escapulir que a garota musicista tinha ido morar no apartamento de John. O lugar que decoraram, para que se sentisse em casa. Bea não se surpreendeu. Se nem mesmo a igreja ele havia mudado, dificilmente trocaria de apartamento. Não conseguia achar uma explicação plausível para o que acontecia. Castigo por não se impor? Uma artimanha do destino para que se tornasse alguém diferente? Não queria ter que mudar. Talvez falar mais em um momento ou outro, mas não podia ser uma nova Beatrice. Desejava apenas um noivo que a respeitasse e amasse de verdade. Onde errou?

Estaria crendo demais nas pessoas?

A champagne era realmente de qualidade, pois acordou leve como uma pluma no dia seguinte. As duas garrafas estavam vazias dentro do balde repleto d'água e podia ouvir lá de cima algumas buzinas, anunciando que Paris estava de pé. O banho de banheira foi longo e ainda assim, não ouvira um barulho de Megan. A amiga ainda estava adormecida e parecia despreocupada. Bea sentiu-se bem. Era reconfortante saber que uma delas estava aos poucos cicatrizando as feridas. Ela mesma faria isso, só não sabia quando. Sentia o peito aberto, repleto de mágoa, rancor e melancolia. Achou melhor tomar um pouco de Sol na varanda para espantar o mau agouro.

Acompanhada de um copo d'água, recebia as carícias da luz na face. O calor envolveu-a de forma acolhedora, dando-lhe o ânimo de que precisava. Tinha que sair e continuar mudando a rotina. Deixou Megan dormindo, arrumou-se e partiu, procurando na agenda do celular o número que precisava.

- Eu sei que pedimos cobertura pela noite, mas... preciso conhecer algo incrível agora. Me ajuda? - Bea perguntava a Ives, pelo telefone. Pode ouvir o riso do rapaz e sua típica fala animada. - Claro! Me encontre em Saint-Michel! - respondeu o guia, parecendo feliz com a procura. Bea sentiu-se mal por deixar Megan sozinha, mas sabia que ela precisava dormir. Conhecia bem a amiga e suas olheiras não a deixavam mentir. Desde que Dixie morreu, Megan mudou. Principalmente depois de ter recusado o pedido de Edwin. A mais nova acreditava piamente que por mais que Megan e o namorado tivessem suas diferenças, combinavam perfeitamente. Ainda mais quando via a amiga prender o riso ao falar sobre Edwin e suas peculiaridades. Se amavam, mas depois do desastre que foi sua relação, tinha medo de opinar sobre qualquer coisa do tipo. Por isso, achou de bom grado permanecer calada. Pelo menos até finalizarem a viagem.

Em Saint-Michel, esperou por Ives em um café. O observou chegando, atravessando a rua e vindo a seu encontro, com a mesma animação do dia anterior, mas uma vestimenta diferente.

- Ontem estava vestido para atrair turistas? - perguntou Bea, com um tom brincalhão. Ives tirou os óculos, lhe lançando uma piscadela. - Te atraí, não foi? - respondeu, fazendo a menina rir. O guia achou melhor que pegassem o metro e foi o que fizeram. Dentro da minhoca de ferro, um casal pedia esmolas tocando sanfona. Enquanto o rapaz tocava as músicas, a menina passava com o chapéu, recolhendo moedas. Bea não conseguiu tirar a carteira da bolsa. Pensou por um instante na vida que seu noivo queria. Era aquilo que desejava? Estaria agora fazendo o mesmo em uma rua movimentada de Glasgow? O casamento foi só uma forma de agradar o pai? Ele realmente a amou? Sentiu uma mão pousar em seu ombro e olhou, percebendo que Ives a observava. Estaria séria? Chorando? Que tipo de semblante lhe chamou a atenção? Passou uma das mãos rapidamente pelas maçãs do rosto, em busca de qualquer lágrima perdida, mas não encontrou nada. Sorriu sem graça para o guia e achou melhor olhar ao redor, principalmente para o lado contrário aos musicistas.

Saíram do metro e andaram mais um pouco. Bea reconheceu algumas partes do percurso e parecia não estar longe do centro. Adentraram o Jardin de Plantes, um lugar que Beatrice nunca havia reparado. No mapa havia marcado locais mais conhecidos, como a Torre, o Arco do Triunfo e tantas outras maravilhas francesas. Ao se localizar no Jardin Alpin, suspirou, tamanha beleza. No centro de Paris, pode encontrar um local intimista e tranquilo. Sentiu-se em paz, caminhando pela rota esquematizada e ouvindo os comentários de Ives sobre o lugar.

- Quando me pediu um lugar incrível, foi o primeiro que pensei. - disse, com um sorriso satisfeito nos lábios, colocando as mãos nos bolsos da calça. - Costumava vir aqui quando garoto. - acrescentou, adentrando um caminho menor e subindo um pequeno monte. Permaneceu por lá, sentado. Enquanto isso, Beatrice observava calmamente o lugar, que estava milagrosamente vazio.

- Aqui é sempre assim? - perguntou, estranhando a falta de movimento. Não conhecera qualquer lugar em Paris que estivesse completamente vazio e isso a impressionava. Ives assentiu. - É, talvez você tenha dado sorte. - comentou em tom brincalhão, apoiando os cotovelos no chão e aproveitando o Sol. Bea continuou andando. Queria que Megan conhecesse o lugar. Percebendo que deixara a câmera no hotel, pegou o celular, tirando uma foto da vista. Depois, fez uma "selfie" com o fundo do jardim. Rodando lentamente em busca de novos takes, admirou-se com a pose de Ives praticamente deitado no monte e o fotografou. - O típico francês. - comentou, rindo. Percebendo que tinha sido eternizado, Ives levantou-se e desceu, interessado na imagem.

- Você devia ter me avisado. Posso fazer melhor que isso. - disse, com um sorriso no canto dos lábios. A proximidade fez com que Bea o observasse por alguns instantes. Por mais que não tivesse uma beleza impactante, tinha lá seu charme. Os olhos grandes e claros pareciam engoli-la, mas não de forma negativa. Ives era um puro observador, vira isso facilmente. O francês a encarou, o que fez Bea prender o ar por um instante. O que estava fazendo? Não o conhecia nem por 24 horas e já criava suposições. Afastou a tela do aparelho e continuou a caminhar, sentindo os olhos do rapaz em sua nuca.

Por um instante, conseguiu esquecer uma parte de John e isso a fez sorrir.


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