CHLOË
Eu estava particularmente com fome. Só dois cérebros não tinham me saciado. Esses humanos estavam imprevisíveis... se escondendo e fazendo armadilhas. Se continuasse assim, eu não ia conseguir mais comer. Dois ou três amigos meus já haviam morrido de novo, por causa dessas tais bazucas.
Me esgueirei por uma viela deserta, tentando achar qualquer coisa. Uma mão ou uma orelha, tanto fazia. Até os mendigos estavam difíceis de achar.
Olhei para meu braço, aonde faltava um nadinha de pele que fazia aparecer meus ossos do antebraço. Se fosse comestível, eu iria na automutilação mesmo. Mas depois que a gente morre, nada mais no corpo presta.
Mesmo assim, eu me olhava na poça de água suja e me achava razoável. Para quem havia morrido, eu só tinha alguns pedaços de pele, uma pálpebra inferior e um dedinho do pé faltando. E um buraco na caixa toraxica pouco maior que um limão.
Limão... eu ainda me lembrava do gosto. Parecido com a da bile de um pâncreas que eu já havia comido. Eu comi um quando tinha cinco anos, e havia detestado o sabor.
Tantas lembranças... era irritante ter memórias humanas num corpo de zumbi. Parecia que eu não havia morrido de verdade.
Mas eu morri. E, enfim, estava com fome.
Saí da viela, sem achar nada. Eu estava indo em direção ao que um dia fora um campo de futebol quando dei de cara com um humano. Armado. Com uma daquelas espingardas de caçar elefantes voltada para minha testa.
Sibilei, mais de susto do que de desafio. O humano acompanhava meus movimentos com a espingarda, mas não havia atirado ainda. Por que não atirava? Todos eles atiravam em nós...
Ele abaixou a arma uns dois centímetros, e pude ver seu rosto.
Um rosto jovem... devia ter a idade que eu tinha quando morri. Cabelos castanhos, quase ruivos, e olhos verdes. E uma expressão dividida entre confusão e ódio.
Por que não atirava?
Ele abaixou a arma completamente. Era o momento perfeito para eu atacar.
Mas algo pregou meus pés carcomidos no chão. Eu não conseguia atacar.
Eu não queria atacar.
Por que diabos eu não queria ataca-lo? Um banquete completo, ali na minha frente! Por que?
Mal sabia eu que ia demorar um bom tempo até descobrir o que me fez recusar tão valiosa oportunidade...
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Voltando à Viver
General FictionSinopse: Qual é o limite entre a bestialidade e a humanidade? "Eu podia ter me livrado dela. Podia ter dado um tiro na testa dela e meus problemas nem teriam começado. Se eu não fosse tão burro...(...) Se eu não tivesse me apaixonado... (...)" Num m...