RYAN
Nunca mais eu ia caçar pela Chloë.
Achar um cadáver fresco na cidade foi quase impossível.
Saí do shopping com a desculpa de querer respirar um pouco de ar e matar mais alguns zumbis. Gail, a pessoa mais próxima de ser uma amiga que eu tinha na comunidade, uma loira baixinha que parecia ter supersentidos, achou estranho. Eu detestava ir nas caçadas, e só fazia isso porque o Comitê obrigava todos á fazer incursões pelo menos uma vez por semana. Gail sabia disso e quase tropeçou quando eu lhe disse que ia sair.
– Sair pra respirar? - ela riu - desde quando você "sai pra respirar"?
– Me deu vontade, ué... não aguento mais ficar só dentro desse shopping...
Eu rezava para que Chloë ficasse quieta em casa. Com a porta trancada, eu sabia que ninguém iria bisbilhotar lá... mas e se alguém a visse pela vidraça de longe?
Gail revirou os olhos.
– Tá, mas volta logo... dá um pulo depois lá na minha casa. Nós achamos um pacotinho de Doritos, e Fred falou para chamar você pra gente dividir.
– Pode deixar - caramba. Fazia anos, literalmente, que eu não comia um salgadinho.
Me despedi de Gail e fui atrás de algum defunto.
Foi demorado. Consegui não me encontrar com nenhum zumbi, uma sorte que eu não esperava.
Finalmente, achei um corpo caído do lado de uma lata de lixo.
Era um mendigo que parecia ter morrido de causas naturais. Não tinha mordidas e nem estava podre, apesar do mau cheiro. Devia ter falecido no dia anterior, quando a temperatura caiu de noite.
Prendi a respiração e meti o corpo dentro de um saco de lixo preto que eu trouxera junto com a arma. Por sorte, a distância entre aquele lugar e o shopping não era grande, então saí arrastando-o pelo chão.
Quando cheguei, o pátio do shopping estava vazio. Aonde estava todo mundo? Era como o destino tentando me ajudar...
Aproveitando o pátio deserto, acelerei o passo, puxando o peso morto do mendigo até minha casa. Destranquei-a rapidamente, olhando para os lados, como coração acelerado. Assim que a porta abriu, joguei o saco com o corpo e minha arma dentro da loja, ainda sem entrar nela.
Através da vidraça, pude ver toscamente a silhueta de Chloë, que se mexera de susto ao ouvir o saco bater no chão. Pude ver seus olhos saltarem de mim para o saco.
Ela se aproximou e fez um aceno quase imperceptível com a cabeça. Como se estivesse elogiando meu trabalho.
Quase ri ao me dar conta desta outra demonstração de sentimento humano. Chloë só fazia aumentar minha simpatia, coisa que, desde o início do apocalipse zumbi, nunca me ocorrera com nenhuma outra criatura morta-viva.
Como ela fazia isso? Agora entendia seu choque. Ela se sentia muito humana para uma zumbi... e eu estava me sentindo e agindo muito humano com um zumbi.
Ela estreitou os olhos como se pensasse no mesmo que eu.
Um movimento repentino atrás de mim assustou nós dois. Com o coração aos pulos, tranquei apressadamente a corrente outra vez. Chloë se escondeu atrás do balcão de novo, bem a tempo de não ser vista por Gail, que saltou atrás de mim como um lince.
– Caracoles, Gail! - exclamei, assustado.
– Desculpa - Gail deu risada. Menina bobona - só vim avisar sobre a reunião.
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Voltando à Viver
Ficción GeneralSinopse: Qual é o limite entre a bestialidade e a humanidade? "Eu podia ter me livrado dela. Podia ter dado um tiro na testa dela e meus problemas nem teriam começado. Se eu não fosse tão burro...(...) Se eu não tivesse me apaixonado... (...)" Num m...