CHLOË
Tudo bem... eu já estava no limite da insanidade zumbi desde que tinha dito àquele cara que ia ficar quietinha ali no "cafofo" dele.
Por mais surpresa que eu já estivesse com tudo que havia acontecido em apenas dois dias, não pude deixar de ficar mais surpresa ainda quando ele concordou em procurar algo para eu comer.
Quando ele saiu, aquele baque irritante voltou, e parou com a mesma rapidez.
Enquanto esperava, fiquei refletindo sobre o pouco que vira em alguns minutos ali.
Ele pareceu preocupado com a possibilidade de eu escapar. Mas não parecia preocupado com as pessoas que eu poderia devorar lá fora. Por um milésimo de segundo, tive a impressão que ele estava temendo por mim.
Eu havia até esquecido de perguntar seu nome...
Olhei ao redor da "casa" dele, uma loja abandonada, provavelmente de jogos eletrônicos, já que havia um grande pôster desgastado de Final Fantasy atrás do balcão.
O lugar era razoavelmente organizado para um abrigo. As cobertas amarrotadas em que ele estava dormindo provavelmente eram a única cama que ele arranjara. No balcão, uma coleção de armas - uma espingarda, um revólver e uma faca eram as mais próximas - estavam enfileiradas onde, antigamente, deveriam ficar os jogos de Xbox 360. Quase peguei uma para experimentar, mas, mesmo que conseguisse segura-la direito, desde quando ainda era humana eu tinha pavor de armamentos... provavelmente nem teria coragem de disparar.
Olhando pais adiante, havia um potinho com biscoitos de cachorro, que parecia ser a única coisa comestível ali.
Uma sensação estranha me incomodou. Era uma sensação que eu não sentia desde... desde antes de morrer.
"Pena", meu cérebro morto tentava sugerir. "Você está sentindo pena".
Por que diabos eu sentiria pena? Eu estava praticamente tendo compaixão pelo que deveria ter sido minha refeição da tarde!
Aquela sensação de compaixão me incomodava desde que eu o vira dormindo.
Aqueles sentimentos humanos estavam acabando comigo. Eu já nem era mais um zumbi normal.
E, mais uma vez, me peguei pensando no que ele dissera. Sobre talvez eu estar ... mudando. Talvez... até me curando...
Fui até o corpo que ele trouxera mais tarde. Ele havia saído para algum lugar e o deixara ali.
Já devia ter morrido á algum tempo, mas ainda estava fresco. Apesar da fome, dei fim apenas ao cérebro e ao coração. Deixaria o resto para depois.
Por um lapso estranho, procurei algum papel e limpei a boca. Que bizarro. Por que eu fiz isso?
Ouvi o mesmo farfalhar de penas no fundo da loja que havia ouvido ao entrar no abrigo. Me aproximei e vi o passarinho amarelo que se assustara quando o garoto acordou gritando.
Era bonito. Muito amarelo... desde que morri, nunca mais tinha visto uma cor tão forte. Tinha um topete de penas que se estendia para trás da minúscula cabecinha. Tinha umas manchinhas vermelhas nas bochechas e piscava direto para mim. Sem medo nenhum.
Era como se ele também não visse mais a figura do zumbi em mim.
Ergui a mão lentamente até o poleiro. O pássaro subiu no meu dedo, ainda me olhando.
Eu poderia ter comido ele numa única engolida. Isso era um fato. Mas eu não tinha vontade nenhuma de fazer isso. Assim como não tivera quando o garoto aparecera pela primeira vez na minha frente.
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Voltando à Viver
Fiction généraleSinopse: Qual é o limite entre a bestialidade e a humanidade? "Eu podia ter me livrado dela. Podia ter dado um tiro na testa dela e meus problemas nem teriam começado. Se eu não fosse tão burro...(...) Se eu não tivesse me apaixonado... (...)" Num m...