CHLOË
Eu tinha a sensação de que meu corpo estava reagindo aos últimos dias como uma montanha russa da Disney. Ás vezes, eu me sentia tão zumbi que toda aquela ladainha de cura e humanos tentando me ajudar parecia um sonho bizarro e caótico. Em outras, me sentia perfeitamente humana, como se nem tivesse morrido.
Mais cedo, eu havia me olhado em um dos espelhos da Clínica... e recuado vários passos ao constatar que o buraco visível em meu peito estava duas vezes menor do que o tamanho original. Mal dava para ver os ossos por trás de minha pele acinzentada.
Comecei á tremer... outra reação humana que surgia em meu corpo.
Ryan surgiu por trás de mim e me segurou pela cintura. Pareceu chocado ao perceber minha inesperada tremedeira.
- Chloë? Tudo bem?
Assenti com a cabeça, apertando os olhos.
Mesmo um zumbi podia perceber que eu estava mudando lentamente. Meus olhos não estavam mais tão esbranquiçados e secos. Minha pele parecia ter ficado um pouquinho - quase nada - mais clara. E os meus rosnados e gemidos já haviam se tornado frases e palavras coerentes e inteligíveis. Há quanto tempo eu não falava de verdade...
Um pouco mais tarde, me peguei com algo que parecia uma tontura, como se alguém invisível tivesse me dado uma coronhada na cabeça, só que não havia dor. Meus olhos pareciam querer se fechar contra a minha vontade, e um suspiro novo passou suavemente por minha garganta.
Impossível... Sono? Eu estava com sono?
Ryan parecia indagar o mesmo que eu enquanto eu me dirigia ao sofá puído de frente ao televisor que Gail trouxera.
Quando encostei em Ryan, vi papai se virar em direção á luz da tela.
Será que ele reconheceu o desenho que nós assistíamos quando eu era mais nova? Sonic Underground... eu adorava aquele desenho quando era criança. Deus sabia o como eu queria ser a Sônia... mamãe havia até feito uma roupa cor-de-rosa e roxa igual á da personagem para mim. Eu andava pelo quintal segurando um colar com um pingente tosco de madeira que papai havia feito em formato de teclado musical, e fingia que ele se transformava em uma arma com laser rosa. Papai morria de rir quando eu saía por aí gritando "vou pegar você, Robotinik!"
Era uma lembrança maravilhosa, que por pouco não me arrancou mais lágrimas vermelhas dos olhos.
- Sabe... Sonic Underground parece um pouco com nossa vida agora - comentou Ryan, ainda olhando a tela do televisor.
- Como assim? - indaguei, confusa.
- Bom, não tem as pessoas que o Robotinik robotiza? Elas nem sempre querem fazer o que fazem realmente... estão só obedecendo instintos. Se não fosse o Sonic e os irmãos dele, com o poder dos medalhões, por exemplo, o Argos não teria recuperado parte da sua humanidade, mesmo por um tempinho, enquanto eles procuravam a mãe. Tipo, um fator externo possibilitava aos robotizados retornar ao normal por algum tempo.
Eu me lembrava daquele episódio... era o meu favorito.
A associação que Ryan fizera dos robotizados de Sonic Underground com os zumbis era ridícula, mas fazia sentido.
- Eu sou uma robotizada? - olhei para ele, surpresa.
- Tipo isso - ele beijou minha bochecha, e eu senti uma corrente elétrica passar por aquele pedaço do meu rosto.
Se eu era uma robotizada, eu realmente tinha algo que me devolvia a humanidade por um breve tempo.
- Ryan? - sussurrei baixinho.
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Voltando à Viver
Fiction généraleSinopse: Qual é o limite entre a bestialidade e a humanidade? "Eu podia ter me livrado dela. Podia ter dado um tiro na testa dela e meus problemas nem teriam começado. Se eu não fosse tão burro...(...) Se eu não tivesse me apaixonado... (...)" Num m...