Procura-se alguém que NÃO mate zumbis

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RYAN


Fiquei esperando Chloë sair do banho. Não que eu me importasse com sua aparência antes, mas para o caso de uma possível e talvez necessária saída da loja, ela teria alguma mínima chance de se misturar com os humanos se estivesse mais apresentável, sem a roupa em trapos e a mancha medonha de sangue na boca.

Enquanto esperava, eu tinha ido buscar alumas roupas limpas na antiga C&A do shopping. O ar lá era tão circular e o ambiente tão limpo regularmente pelos sobreviventes que as roupas se mantinham livres de pó e fungos como á cinco anos atrás.

Peguei o tamanho que achava que Chloë tinha. Ela tinha um corpo magro e pequeno, mas com muito... bom, com umas curvas bem acentuadas na comissão de frente.

Dei risada. Ela era o estereótipo de modelo adolescente.

Todos os outros ainda estavam na reunião (que, se dependesse do Comitê, demoraria horas), então pude pegar tranquilamente umas quatro mudas de roupas diferentes para a zumbi na minha casa.

Cheguei lá tropeçando e bambeando com o bolo de vestes nos meus braços. Tive que passar a corrente para o outro lado e pedir para Gail destrancar a loja com a minha chave para eu passar.

- A menina está tremendo de frio... você demorou - ralhou Gail.

Olhei para ela, dividido entre rir e me boquiabrir. Desde quando ela e Chloë eram as melhores amiguinhas do mundo? Gail defender uma zumbi era uma cena tão estranha quanto a que eu e Chloë tínhamos tido alguns minutos atrás.

Parecia que, naqueles quinze minutinhos, as duas tinham conversado um bocado. Gail não parecia mais nem um pouco aterrorizada. Falava como se estivesse citando uma colega de quarto.

- Peguei umas mais compridas para esconder... sabe... o braço - comentei, mencionando o buraco que Chloë tinha ali.

Gail escolheu um dos conjuntos e levou-os até o banheiro, sumindo ali em seguida.

Skype voltara á assoviar. Fiquei encantado com sua cantoria. Como Chloë fizera em alguns minutos algo que eu tentara fazer á quatro anos?

Ela pulou de seu poleiro para o balcão e saiu saltitando por ele até subir em minha jaqueta e se aninhar no meu pescoço, assim como fizera com Chloë.

Passei o dedo em seus penachos da cabeça, rindo.

- Você viu nela algo que nem eu tinha visto ainda, não é, Skype?

Skype beliscou carinhosamente minha orelha com o bico. Considerei isso como um sim.

Gail saiu de repente do banheiro, encarando a porta com um sorriso meio enigmático.

- Bom... acho que dá pro gasto - ela disse como se estivesse indiferente, mas dava para ver, pelo brilho dos seus olhos, que sua obra-prima era bem surpreendente - algo que eu confirmei pessoalmente em seguida.

Chloë saiu porta afora, e me levantei tão rápido que Skype saltou do meu ombro numa mistura de piados e penas.

Exceto pela cor da pele, era a garota do meu sonho.

Chloë estava linda... a blusinha rosa de manga comprida e a calça jeans haviam caído nela como uma luva. Os cabelos estavam brilhantes, ainda molhados, mas definitivamente limpos. O rosto, mesmo cinza, estava mais claro do que antes. Os lábios descorados, sem as manchas de sangue, pareciam mais atrativos do que nunca. E um sorriso curto e envergonhado completava o quadro estarrecedor.

- Isso são brincos de pressão? - indaguei, apontando para a bijuteria prateada em forma de prendedor que havia nas orelhas de Chloë.

Gail deu uma risadinha boba.

- Ah... achei que ia ser legal... os buracos já haviam fechado, então, bom, achei que de pressão iam ficar melhor.

Chloë ergueu os olhos, que pareciam desnecessariamente arregalados.

- Como... eu estou?

A pergunta era tão apreensiva que lembrava uma garotinha com um vestido novo de festa. Sorri ao pensar na comparação...

- Está... linda. Muito linda, Chloë.

Ela sorriu fracamente, ainda entrelaçando os dedos.

- Olha - ela me estendeu a perna levemente, mostrando um dos pés, o que faltava o dedo mindinho.

Definitivamente recuei ao ver o último e menor dos dedos ali.

Gail olhou, curiosa.

- Caramba... Chloë! - arfei, com a mão na boca. Tentando sanar aquela cara de ponto de interrogação de Gail, completei - ela não tinha esse dedinho. Nem uma das pálpebras.

Foi a vez de Gail recuar - mas ela deu azar ao tropeçar no cano da minha antiga espingarda retorcida e cair no chão.

- Tipo... quer dizer - ela piscava sem parar, sacudindo a cabeça - você acha que ela... está se curando? Se regenerando, sei lá..?

- Se tornando humana de novo - eu disse, encarando Chloë - o que quer dizer que talvez s outros também possam.

Gail arregalou os olhos.

- E o que será que faz esse processo começar?

Chloë suspirou.

-Lembranças.

Gail me olhou surpresa.

- Lembranças humanas? Pode ser... algo que lembre ou traga á tona sentimentos humanos...

Chloë virou a cabeça, sem esboçar nenhuma reação. Parecia pensativa. E eu também. Se havia uma possibilidade de curar os mortos-vivos lá fora, valia á pena tentar investir num "programa de cura". Mas só eu e Gail não poderíamos conseguir experimentar isso sozinhos.

Precisávamos de mais alguém que nos escutasse. Que compreendesse. E, mais importante, que não encostasse em Chloë, ou quem ia sair por aí estourando cérebros seria eu.


Voltando à ViverOnde histórias criam vida. Descubra agora