Clínica de Reabilitação

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CHLOË


Confesso que fiquei com vontade de fazer um lanche com o cérebro de Gail no começo. Não porque estava com fome de novo, mas porque aquela loira tapada nos interrompera durante... bom, durante aquele momento estranho entre eu e Ryan.

Saber que Ryan também nunca tivera nenhuma experiência amorosa despertou alguma coisa estranha dentro de meu corpo morto. Até onde eu podia concluir, estava feliz por ele nunca ter namorado. Feliz por ele se preocupar comigo. E irracionalmente feliz por tê-lo ao meu lado.

Gail havia aprontado um banho para mim. Jogara minhas roupas velhas em um canto e me colocara sem cerimônia no chuveiro, ligando-o em seguida. Depois de cinco anos sem sentir o contato de água em meu corpo, minha primeira reação instintiva foi tentar sair dali, mas Gail me empurrou gentilmente de volta.

Ainda estava surpresa por ela ter se acalmado tão facilmente. Uma tênue e cautelosa linha de confiança parecia estar se construindo entre nós duas. Há tempos eu não conversava com outras garotas... mortas ou vivas. Minhas antigas amigas haviam desaparecido á algum tempo da zona de zumbis em que eu vivia.

Gail riu ao ver minha careta de estranhamento causada pela água fria.

– Faz um tempinho que você não se molha, não é?

Balancei a cabeça, tentando assentir, mas a água inundou meu rosto e me fez engasgar.

Gail pegou uma esponja estranha, banhou-a em um sabonete líquido e começou á esfregar meu braço. Um pouco de água entrou no orifício do meu antebraço, e eu tremi ao sentir o líquido inundando levemente aquele ponto. Parecia que eu tinha tomado uma injeção de gelo.

– Você lembra de alguma coisa... de quando era, bom... humana? - indagou Gail, curiosa.

Minha voz saiu mais engasgada do que nunca, por causa da água.

– Sim. De passeios... animais... de quando era criança...

– Você ainda tem família? Ou ela também, sabe... virou zumbi?

Engasguei outra vez, mas não foi por causa do chuveiro.

Minha família...

Desde que Ryan me acolhera em sua casa, as lembranças humanas vinham com uma facilidade incrível em minha mente.

A maior parte da minha família sobrevivera á epidemia e fugira para o Alabama. Menos eu, minha prima Mary e meu pai. Nós três havíamos sido infectados durante o surto. Mary foi uma das primeiras á serem alvejadas pelos tiros dos humanos sobreviventes. Meu pai desaparecera da zona de zumbis e nunca mais foi visto.

Meus olhos arderam, mas também não era por causa da água.

– Todos... vivos. Menos papai e eu... - murmurei, sacudindo a cabeça.

Gail recuou um pouco o corpo, parecendo surpresa. Uma expressão estranha apareceu em seu rosto... uma mistura de bondade e pena. Ela continuou me esfregando, até que estendeu a esponja para mim.

– Quer tentar?

Peguei a esponja e tentei passar no outro braço. A sensação era estranha, mas agradável. Comecei á esfregar, e dali á pouco eu já estava me limpando sozinha.

– Minha família sobreviveu também - contou Gail, enquanto eu continuava á me banhar - estão todos em Washington... só meu primo Carl foi infectado... sumiu tão rápido que nem sabemos se ainda está por aí...

Voltando à ViverOnde histórias criam vida. Descubra agora