Espiral

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RYAN


Ficamos completamente empenhados nas atividades da Clínica durante os dias que se seguiram.

Doutor Shawn analisava e acompanhava todas as evoluções dos zumbis ao longo das semanas, vindo ao menos uma vez à cada dia. As evoluções de cada um pareciam ficar cada vez mais lentas, mas cada mudança causava um salto inquestionável na personalidade, físico e mente de cada morto-vivo ali.

Em menos de duas semanas, Julia e Carl se equiparavam à Chloë em questão de capacidade psicológica e física. Pim e Isaac, desde a respectiva "internação" de cada um, não tiveram grandes evoluções...

Pelo menos foi o que eu achei no começo.

Um dia, Shawn ficou curioso para comparar a altura de Pim e Isaac com a das crianças sobreviventes da comunidade, para verificar se o processo de zumbificação também interferia na altura dos mortos-vivos. Mediu ambos e anotou num caderninho, resmungando consigo mesmo, até que arregalou os olhos para a própria anotação.

– Doutor? - murmurei surdamente - o que foi?

Shawn se virou para mim, com espanto no olhar.

– Cresceram...

– O quê?? - exclamou Gail, correndo até nós.

– Olhe, Ryan.... apenas olhe...

Olhei para o bebê que estava num bercinho improvisado perto da "cama" de Chloë, e meu queixo caiu em seguida.

Shawn tinha razão. Isaac parecia... diferente. Uns meros milímetros maior. O rosto menos redondo. os olhos - céus, os olhos!- brilhando levemente, como o de um bebê vivo.

– Minha nossa - Gail observou, pasmada, Isaac virar a cabecinha acinzentada em noss direção. Parecia intrigado.

E então, aconteceu.

Uma gargalhadinha, saída da boquinha desdentada de Isaac, ecoou levemente na Clínica.
Todos congelaram, chocados. Shawn parecia maravilhado.

– Fascinante, Ryan. Fascinante! Estou começando a achar que a mera interação social amistosa é o principal estopim para a mudança dos zumbis...

– O que o senhor quer dizer? - Gail ajoelhou-se ao lado do bercinho de Isaac - que os zumbis lá fora estão do modo que estão por quê os humanos só querem matá-los?

– Talvez sim, Gail... - Shawn sorriu para mim - olhe para Chloë.. Ryan se encontrou com ela no que poderia ter sido o o momento do fim de sua vida zumbi... mas Ryan não reagiu agressivamente... o que, mesmo para um zumbi, com certeza é intrigante. Os outros normalmente não vão ter tal interação... - ele observou Isaac se remexer no berço, e acariciou a cabecinha do bebê, suspirando - seja tratado como um animal irracional, como um monstro... e você será um...

– Ou seja... se tratarmos os zumbis como gente, eles podem começar a se curar... é isso, ou eu bati a cabeça muito forte na hora que levantei do beliche? - brinquei, pondo a mão na testa.

– É isso mesmo... - Shawn riu.

– Parem de fofocar... sobre mim - arfou uma vozinha meio brincalhona atrás de mim. Me virei e sorri quando Chloë se aproximou.

De todos os zumbis, Chloë era com certeza a mais evoluída até agora. Ainda estava muito pálida para parecer humana, e não conseguira largar ainda a dieta de corpos. Seu sangue ainda não era vermelho-vivo - descobri, infelizmente, quando ela se cortou em uma janela dias antes, fazendo brotar um líquido vermelho-escuro de seu braço ferido - e ela não se curava tão rapidamente de ferimentos como um ser humano; o que Chloë havia feito no braço ainda não fechara direito, e sangrava o menor toque.

Mas, em todo o resto, ela ficava mais inteligente e linda à cada dia. Meu peito se enchia quando eu via minha namorada lutando - e, aos poucos, conseguindo - para recuperar alguns bocadinhos de sua humanidade. Minha zumbi maravilhosa...

Como eu podia ama-la tanto?

Se me dissessem meses atrás que eu me apaixonaria por uma zumbi, eu teria gargalhado.

Mas agora, eu mal conseguia imaginar minha vida sem aquela morta-viva que entrara de supetão em minha vida e em meu mundo.

– Chloë... - cumprimentei-a, quando ela sentou ao meu lado, acompanhada de uma sombrinha fantasmagórica em sua perna. Ri quando vi Pim agarrada no joelho de Chloë. A pequena zumbi deu um sorriso tímido e escondeu o rosto na bainha da saia que Chloë vestia.

– Viraram amiguinhas agora, é? - indaguei.
Chloë passou a mão na cabecinha de Pim dando de ombros.

– Ela gosta... de Sonic Underground...

Pim balançou a cabeça, assentindo. Os olhos dela se arregalaram quando Chloë mencionou o desenho animado.

– Robotinik... cara mau - Pim algavariou, dando uma risadinha baixa.

Aquilo chegava a ser gostoso... todos ali, reunidos como uma estranha mas feliz família. Uns cuidando dos outros e procurando se ajudar.

Meu coração doía quando eu pensava que o Comitê podia deixar de ser cego e adotar aquela causa, salvando vidas em vez de destruí-las. Por que precisavam ser tão categóricos em dizer que os zumbis não tinham vida e que deviam ser mortos? Por que não acreditavam em uma cura e não procuravam ajudar?

Tudo o que eu sabia era que, independentemente da aprovação ou ciência do Comitê, eu continuaria à ajudar. ia trazer a humanidade de volta nem que nós tivéssemos de tratar cada um dos mortos-vivos lá fora, zumbi por zumbi.

Chloë tirou Pim de sua perna, rindo, e caminhou em direção à cama de Carl, que dormia profundamente. Parecia contente de ver o pai retornando aos poucos ao hábito de adormecer.

Julia surgiu de dentro do antigo almoxarifado, carregando o que parecia ser uma coberta felpuda. Sorria bobamente para nós, aparentando estar encantada com a atmosfera esperançosa e brincalhona do lugar. Seu rosto se contorcia de tal modo que não se via mais a zumbi desconfiada que ela era quando chegou à Clínica.

– Salve, Julia! - Gail disse, brincando.

Julia deu uma risadinha desarticulada e começou a caminhar na direção de seu "ninho", provavelmente para deixar o cobertor ali e se enrolar para dormir.

Mas ela não chegou. Não à tempo.

Tudo o que eu me lembrei do breve momento que se seguiu foi de um estrondo explosivo e de Julia desaparecendo no meio do pó que se levantou quando as paredes cederam.

– RYAN!!!!


Voltando à ViverOnde histórias criam vida. Descubra agora