8 | Vamos voltar pra casa algum dia?

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A floresta é silenciosa.

Dependendo do seu momento,esse silêncio pode trazer paz ou melancolia,em casos mais graves, desespero.

Estou de frente para uma garota branca de cabelos escuros grudados na testa,seus olhos estão vermelhos e me percorrendo perturbados e amedrontados.

Ela segura Lilly pelo pescoço.

Lilly chora,lágrimas grossas,me suplicando por ajuda.

Minhas pernas ficam bambas.

- Solte ela,agora - digo,querendo manter uma gota de equilíbrio.

Ela balança a cabeça rápido demais,como se estivesse com dor.

- Você...não entende..você..NÃO ENTENDE! - a garota grita histérica.

Em minha cabeça passam mil coisas que podem acontecer nesse segundo e que preciso evitar com todas as forças.

Lilly está com um canivete na mão, de modo que a garota não percebe,apesar de sua mão tremer,ela assente pra mim,como um sinal.

Tento chegar mais perto.

-SE AFASTA!-a garota explode,pressionando a faca no pescoço de Lilly,mas ela olha para mim com foco,para que eu confie nela.

Imagino se algo nesse plano não der certo, se a garota louca ser mais rápida, se ela perceber nosso plano silencioso,há tantas formas e ângulos disso dar errado que minhas mãos suam.

Mas tenho que confiar na linha tênue de chance que Lilly tem.

Escuto minha rápida respiração,meu coração pulando para fora,e a aflição de Lilly, seu fôlego tenso.

Olho fixamente para ela,suas lágrimas secaram,e ela parece determinada a me ouvir com os olhos.

É agora! - como se eu falasse com ela.

Nesse momento,Lilly arranha a mão da garota com seu canivete,e vem correndo na minha direção,coloco ela atrás de mim e aponto minha adaga para a garota,seguro a mão de Lilly com força,dou dois apertos,como que a parabenizando pela sua bravura, com certeza fazer o que ela fez com treze anos é amedrontador.

A garota não diz nada,larga a faca que está na mão e saí correndo,fico pensando,se Lilly não estivesse comigo,eu me igualaria a essa garota?na condição que estamos não duvido de nada.

Abraço Lilly com uma força sufocante,penso no quanto eu ficaria devastada se a perdesse,acho que de certa forma,Lilly é como Matt,alguém para que eu proteja,que não me permite perder o foco.

Minha mãe me disse que meu pai morreu infectado quando ela ainda estava grávida de Matt,eu era muito nova para me lembrar e ela nunca me deu detalhes sobre ele,ela dizia que tínhamos alguns parentes distantes em outros estados que não estão infestados por contaminados,não conheço nenhum deles.

Tem pessoas que são do seu sangue e que podem ser verdadeiros estranhos para você.

E tem pessoas que não são nada suas e você as ama como se fossem da família.

Há uma conexão entre eu e Lilly,mesmo tendo apenas alguns minutos de conhecidas.

- Hailey,me desculpa,quando você saiu eu fiquei com muito medo e...tentei ir atrás de você,aquela maluca me pegou desprevenida e... me desculpa,foi sem querer,por favor - Lilly se atrapalha nas palavras,ainda em transe pelo o que acabou de acontecer.

- Eu entendo que ficou preocupada,só não faça de novo,tudo bem? - faço carinho em seu cabelo.

- Não,prometo que vou te esperar - ela sorri,enxugando as lágrimas.

- Sabe de uma coisa?você foi muito corajosa quando se soltou daquela garota.

- Verdade?

- Com certeza,aquilo foi incrível.

Já em nossa árvore, conto algumas histórias para que ela durma,foi uma noite agitada,e precisamos descansar para manter o ritmo.

Escutamos o barulho dos animais pequenos da floresta - assim como no bosque perto da minha casa - o que acalma a Lilly e a mim.

Ela coloca a cabeça em minhas pernas,fazendo-as de travesseiro.

- Hailey?Posso fazer uma pergunta? - ela diz,com a voz sonolenta.

- Claro.

- Acha que..vamos voltar pra casa algum dia? O que será que querem da gente?

Engulo a seco,não consigo nem pensar em uma resposta.

- Vamos sair daqui Lilly,confie em mim.

- Tenho medo.. - ela não termina a frase.

Inclino a cabeça para responder,mas Lilly já fechou os olhos.

Desço a árvore devagar,sei o quanto é arriscado andar por aí,mas nossas duas maçãs vão durar muito pouco,não vou para a área dos holofotes,corri risco demais,decido apenas colher outras frutas pelos arredores da nossa árvore. Sempre alerta.

Com a mochila já abastecida,avisto um pequeno lago há alguns metros,vou até ele e encho minhas duas garrafas. Aproveito e lavo meu rosto.

O sol começa a nascer.

Assisto maravilhada ele cobrir toda a floresta,cada folha,cada pedra,também a mim.

Aproveito e sento ali por alguns minutos.

As sirenes logo vão tocar,as mortes não vão parar,só tenho dezessete anos e as coisas podem ficar mais malucas do que já são,Lilly está comigo,sempre me virei bem com contaminados, procurava sempre manter distância,mas quando me encontrava com um,eu não hesitava.

E também não hesitei em encravar a faca no ombro do garoto.

Tenho um certo medo,medo de começar a matar e não sentir nada,medo de me tornar algo que abomino.

Aquela manhã onde minha mãe e Matt foram tirados de mim insiste em me derrubar,me coagir, me colocar para baixo.

E se eu não conseguir?

Podemos ficar aqui até morrermos assassinados,de fome,sede,ou até desespero.

Sem me dar conta,lágrimas encorpadas escorrem pelo meu rosto,não quero ser fraca,não mesmo,mas preciso,preciso me libertar um pouco,sentir a dor pelo menos por míseros minutos.

Sempre tive que guardar minhas sensações,encobrir,esconder o turbilhão de coisas dentro de mim quando estou perto de outras pessoas é algo que desenvolvi por anos,mas sempre que estava sozinha,no meio da noite nebulosa,eu molhava meu travesseiro,como se ele pudesse sugar todas as minhas inseguranças.

Agora,a floresta silenciosa é que suga minhas angústias.

Depois de minutos corridos,enxugo as lágrimas para voltar  a árvore e..

Sinto alguém se aproximar.

Seguro minha faca com força.

- Hailey,é você?

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