Eu só vi uma serpente uma vez.Matt estava com uma gripe terrível, por sorte,minha mãe não estava tão mal,nosso estoque estava no fim,se eu fosse ao mercado negro demoraria muito para voltar - ainda mais com os dois doentes - resolvi ir até as Árvores Frias,um pequeno bosque praticamente do lado da minha casa.
Lembro da sensação da neve caindo em meu cabelo.
Caindo tão serena que eu mal podia senti-la.
Eu não tinha nenhuma experiência com caça, então optei pelas frutas secas, duraria só até o resto daquele dia,mas já era algo até eu ir no mercado negro no dia seguinte.
Mas então eu a vi.
Desde a epidemia global do vírus H.347,muitos animais de outros habitats evoluíram,migrando para ambientes que não pertenciam a eles,eram mais fortes, sobreviviam nos calores mais insuportáveis e nos frios mais impetuosos.
A serpente que eu via naquele momento rastejava sobre a neve, esguia e oculta, quase invisível.
Mas ela estava lá, com os olhos fixos em um esquilo,deliciando sua presa antes mesmo de ataca-la,calculando, calculando, até o momento que inseriu seu veneno na vítima,finalmente,ela o engoliu, com aquela fartura em seu estômago.
Mas o pior foi seu olhar.
Ardiloso,agressivo,frio,cruel.
Segui meus impulsos mais primitivos e matei a cobra,a neve ficou vermelha com seu sangue,peguei minhas frutas secas e voltei pra casa. Sem remorso nenhum.
Com Matt e minha mãe me esperando.
E quando aquele dia passou,eram menos vinte e quatro horas até o dia que eu os perderia.
Esse dia,é mais um dia das minhas lembranças,mas uma vaga impressão de que Matt e minha mãe são reais,apenas dentro de mim.
O olhar da serpente das Árvores Frias me lembra exatamente do que eu estou vendo agora.
Se deliciando com meu sofrimento,me caçando,caçando.
Segui o mesmo impulso que usei na serpente.
Afinal,não há diferença entre as duas.
"Saudações senhorita Andersan
Saiba que é muito importante para nós,porque você é.."
Estilhaço o copo de vidro bem no seu rosto,ela se desmancha,e meus olhos ficam cheios d'agua do mais puro e completo ódio.
- Víbora,desgraçada! - eu grito,enquanto aperto os lençóis.
Percebo que estou tremendo.
- Senhorita Hailey,se acalme,por favor. - pela primeira vez a voz da mulher ao meu lado não saí clínica e formal,mas quase desesperada pela minha histeria.
Minha respiração se torna pesada,vejo tudo a minha volta ficar turvo,lágrimas escorrem lentamente pelo meu rosto,assim como a neve se desmanchando em meu cabelo.
Ela está conseguindo me enlouquecer.
Me enjaular para sempre em meu próprio pânico.
Serpente.
Pássaros em gaiolas.
A minha enfermeira se senta na cama e me surpreende quando segura firme minha mão,e percebo o mesmo olhar que minha mãe me lançou no dia que viu meu olho roxo.
Ela está com pena de mim.
Como se eu fosse uma criança vulnerável.
- Eu..não quero..que..sinta pena de mim. - soluço,com os pulmões comprimidos.
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A I M U N E • 1
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