Sorte?

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Narrado por Luca


Depois que saí da casa que havia alugado, não pude deixar de pensar na noite anterior. Susana havia dormido apenas segurando minha mão com seus dedos finos, delicados e frios, mas para mim, pareceu o paraíso. Eu não quis acreditar que estava tão próximo a ela, sentindo seu perfume, ouvindo o som de sua respiração suave e não poder tocar-lhe como realmente queria. A noite anterior tinha sido tão bela quanto tortuosa. Tudo o que eu desejava ao vê-la com os olhos fechados, dormindo como um anjo, era abraçá-la e lhe dizer que tudo ficaria bem, que nada a machucaria, que nada poderia tirará-la de mim novamente.

Mas alguém tentaria.

Pelo menos era o que o anjo havia dito em meu sonho.

Claro, eu estava supondo que Susana fosse sua filha. Afinal, a quem mais eu poderia estar destinado? Não havia outra mulher que pudesse entrar em meu coração. Jamais haveria outra.

Fui rapidamente até a escola, e disse à diretora que minha tia estava com sérios problemas de saúde, o que a deixou seriamente preocupada, e eu, mesmo tendo mentido, fiquei aliviado. Enquanto voltava para casa, passei em frente a um pequeno pet shop, cuja dona se chamava Maria -havia uma placa de metal na entrada com seu nome. Normalmente, eu passaria sem olhar dentro desses locais, mas por alguma razão, encarei o interior do estabelecimento, e notei uma pequena grade com alguns cãezinhos, e ainda um papel colado num dos lados, onde vi a que raça eles pertenciam:


"FILHOTES DE DÁLMATA - R$ 850,00."


Entrei na loja e comecei a olhar os animais. Havia quatro. Segurei todos eles por alguns segundos, três deles eram machos. Peguei a fêmea novamente, esta com pouquíssimas pintas.

Você deve estar se sentindo muito sozinha aqui, não é? Isso é um absurdo, não deviam vender vocês, não são objetos...

Olhei para a atendente, ela conversava com um rapaz tatuado e louro, mas não tirava os olhos de mim. Encarei o filhote outra vez, seus olhinhos escuros brilhavam tanto que eu podia jurar que estava feliz por alguém aparentemente estar prestes a levá-la para casa...

Tudo bem, tudo bem, vou tirá-la daqui...

Assim que a atendente ficou ocupada preenchendo alguns papéis, tratei logo de criar um cãozinho dentro da grade, não foi difícil, mas estava sem prática, então ele logo desapareceria, eu precisava ser rápido. Coloquei o filhote verdadeiro à minha frente de um modo a escondê-lo, e fui até a porta, olhei para trás, e notei que os olhos da moça conferiam quanto animais ainda havia no local, ela sorriu ao achar que ainda restavam todos.

Saí da loja feliz com minha nova aquisição, mas depois de caminhar rapidamente em direção à minha casa, com a audição um pouco melhor que a dos humanos, pude ouvir alguém gritar, mesmo que de longe.

— Ladrão!

Acabei por rir e comecei a correr. Por sorte, a casa que eu alugara não ficava perto de muitas outras, e ninguém me viu chegar com um cachorro. Encontrei uma caixa de papelão perto da entrada e coloquei o animal dentro.

— Não conte nosso segredo a ela... — Sussurrei.

Entrei na sala, mas não encontrei Susana, nem na cozinha. Deixei a caixa na sala e subi a escada que me levaria até meu quarto, encontrando-a na porta.

— Oi... Eu vim... pegar meu celular...

— E achou? — Ergui uma das sobrancelhas, desafiando-a a mentir.

— Não... deve estar dentro da mochila. — Ela sorriu.

— É, deve.

Creio que estava claro que eu não havia acreditado nela.

— Vou embora... — Afirmou ela, simplesmente.

— Eu trouxe uma coisa. Quando a vi, por alguma razão, lembrei-me de você. — Comente.

O que era verdade.

— Comprou um presente para mim?

— Na verdade, não, quando você vir, explico melhor.

Comecei a descer a escada a passos lentos, e ela me seguiu. Quando chegamos na sala, Susana sorriu lindamente.

— Não acredito... — Ouvi-a sussurrar.

Fui até o caixote e o peguei, levei-o até ela e sorri.

— Espero que goste.

Assim que Susana viu o cãozinho dentro da caixa, pegou-o e o acolheu.

— Não acredito, um dálmata!

Uma dálmata.

Ela sorriu novamente.

— Como a conseguiu? — Perguntou.

Eu a roubei.

Cheguei a pensar em lhe dizer a verdade, mas deduzi que ela não fosse aceitar o presente. Porém, não podia dizer que havia comprado, pois pareceria meio louco, afinal, teoricamente, eu a conhecia há poucos dias, não seria normal comprar algo caro assim para ela.

— Quando voltava da escola, encontrei um caixote maior do que esse, com quatro filhotes, os levei até a veterinária, aquela que tem um consultório perto do banco, e os deixei lá, mas perguntei se podia ficar com a fêmea. — Expliquei, fitando-a acariciar o filhote em seu colo. — Mas acho que você cuidaria melhor do que eu.

— Isso é incrível... Obrigada, Luca. Obrigada mesmo, nada teria sido melhor do que ela.

— Já sabe qual o nome? — Indaguei, prosseguindo com meu plano.

— Pode parecer mentira, mas sempre quis uma dálmata, e sempre soube qual nome daria caso um dia tivesse uma... — Respondeu-me.

— E qual é?

— Scarlett. — Afirmou, sem rodeios.

Fitei-a com felicidade, pois não havia dúvidas. Era ela.

— Tomou café? — Indaguei, tentando conter minha euforia.

— Sim.

Assenti e passei a mão pelo cabelo, eu queria permanecer mais algum tempo com ela, descobrir se havia algo mais de semelhante, mas não fazia ideia do que fazer.

— Eu a convidaria para almoçar, mas o problema é que sou péssimo na cozinha. — Acabei dizendo.

— Eu sei... — Ela disse, rindo.

Então, parou de rir na mesma hora, pois estava claro que aquela confissão a havia deixado confusa. Afinal, como poderia saber?

Será que suas memórias estão voltando?

— Sabe?

— Não, quis dizer que... já era de se esperar... — Estava mentindo, eu podia ver isso em seus olhos avelã.

Sorri.

— Bem, eu lhe dei um presente, não gostaria de me dar um também?

— O que você quer? — Indagou ela, com uma expressão desafiadora.

Aproximei-me de Susana, parando a centímetros dela. Seu perfume de baunilha entrou por minhas narinas como um entorpecente. Nessa hora, tive certeza de que se ela se inclinasse um pouco mais, eu a beijaria.

Abra os olhos, Anjo (livro 2)Onde histórias criam vida. Descubra agora