Sala De Música

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Incrível. Incrível seria pouco para descrever o que eu senti quando recebi aquele email.
Lizzy
Rob
Ruby
Michelle
...Chad !

Claro que Troy ficou um pouco assustado quando me viu a saltar e a gritar pelo quarto fora quando me apercebi do grupo que acompanhar-me-ia neste projecto. Além de saber que cada um deles possuí características incríveis na arte de representar, todos me receberam de braços abertos na sua vida e por isso não posso deixar de acreditar que trabalharmos em equipa apenas vai reforçar os nossos laços.

Por isso, ao deitar me naquele dia excitante e saber que teria encontro marcado no Starbucks na manhã seguinte com todos , através de uma conversa de grupo, não pude deixar de reviver o meu grupo de Portugal.
Dizer que o último ano foi agradável seria utilizar um eufemismo pouco necessário. É verdade que eles eram os amigos mais verdadeiros que tivera, e nunca pensei que me custasse tanto separar de todos mas o que é facto, é que o 12° ano foi marcado por desilusões a nível pessoal e relacional como eu nunca havia aguentado.

Descobri o verdadeiro significado de "cada um por si" quando comecei a ficar cada vez mais sozinha com a doença de anorexia nervosa que parecia não ter fim. Todos me olhavam com uma pena excessiva, pena essa que eu pensava ser o pior sentimento que existia neste mundo.

E este grupo que deveria ser o meu maior suporte, apenas comentavam frequentemente a experiência que iriam viver na faculdade os 4, (uma vez que Sofia não iria partilhar a casa) sem me incluírem nos planos ou ponderarem o facto de falarem sobre isso à minha frente como uma possível ferida.
Por isso, eu fui sobrevivendo dia a dia entre consultas, caminhadas com o João para a escola, e horário e refeições bem estipuladas, comprimidos e suplementos alimentares naturais assim como um tempo excessivo em casa a estudar, sem movimentos desnecessários que queimassem calorias, num stress constante para os exames e conseguir a média suficiente.

Uma lágrima escorreu pela face ao relembrar estes momentos e limpei-a rapidamente, aprendendo a aceitar o que aconteceu como uma lição de vida, e não uma maldição. Adormeci em seguida, com uma dor infernal de cabeça.

- Mary? Mary onde estás? - a voz chamava insistentemente o meu nome, numa tentativa desesperada de que me virasse e enfrenta-se o mundo real.
Mas eu não iria faze-lo.
Tinha 8 anos, voltará a ser uma criança inocente e estava sentada ao canto do meu quarto com uma caixa de música.

Abrindo a tampa, a bailarina dançava num ritual que nunca acabava. Mesmo com a sua posição estática e movimento parado constante, eu olhava aquela bailarina com um carinho imenso enquanto a música soava por todo o quarto.

Os papás tinham passado o dia fora e só chegaram quando a lua já se encontrava no céu, e a música, não parecendo, era uma companhia fiável às tardes frias de Inverno, mesmo sendo uma companhia tão falsa quanto às flores do centro de mesa da sala de estar.
- Mary, é para ir para a mesa. - a minha mãe disse ao abrir a porta do quarto.

Ela não sabe como foi o meu dia. A tortura que passei na escola por sentir que ninguém gostava de mim, a vontade de me compreender sem descanso e o descanso ao chegar a casa para aguardar pela refeição que, embora de família tivesse muito pouco visto que eu não estava integrada, era melhor do que estar sozinha com os meus pensamentos.
- Já vou... - senti a voz a cortar na garganta como se falar com ela fosse um desafio. Não lhe dissera nada quando chegara a casa e o boa noite que preferiu não teve resposta da minha parte. Sempre fora assim.

Eu sentia-me posta de parte, tendo-me posto de parte mal comecei a perceber os traços da minha adolescência. E era tão injusto. Tão injusto como só queria resposta aos demónios da minha cabeça que nunca se iam embora e eu chorava todos os dias por um final feliz.

Identidade Perdida.Onde histórias criam vida. Descubra agora