Conversas.

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"Aprende a gostar daquilo que gosta de ti, diziam eles. Aprende a amar aquilo que te ama, pediam. Mas eu escolhi-te a ti."

Will ficou a estudar, ou o que parecia ser uma tentativa para tal durante todo o tempo que me encontrei no café. O meu turno estava a terminar e ficara encarregue de fechar o café enquanto os empregados iam um a um para casa descansar.

Estava nervosa. E não sei se estava nervosa por Will se encontrar aqui, pela conversa que teríamos ou porque sabia bem o que estava a sentir. Era Chad quem me ocupava a mente, não ele.

Enganar-me a mim própria seria o pior erro neste caso... Mas também não o posso enganar a ele. E estou indecisa se preciso de café ou de dormir para lidar com isto.

- Até amanhã Mary!

Pois, até amanhã. Mas esse "até amanhã" significa que estou sozinha com ele neste espaço minúsculo e que só falta mesmo fechar a caixa e fazer a contagem. O que não leva mais de 5 minutos.

- És sempre tu que tens de fechar ?- a voz dele está calma e tranquila. Mas eu sobressaltei-me e quase me enganei nas contas. Fiz-lhe sinal para esperar só um momento e registei o valor que se encontrava na caixa antes de a fechar à chave.

- Nem sempre, mas eu hoje cheguei mais tarde. É melhor ser eu a fechar e amanhã de manhã fazermos a limpeza.- respondi de uma maneira aparentemente descontraída.

- Senta-te um bocado pode ser?

Acabei por fazer o que ele pediu e olhei a meu redor para não olhar diretamente para ele. Custa-me tanto olhar diretamente para ele. Não por ter medo que me julgue ou que veja algo de errado como é caso de Chad mas porque sinto-me culpada.

- Olha Mary...

- Não, desculpa o que aconteceu hoje. Foste meio que apanhado no meio do meu stress com o...- faço uma pausa e custa-me dizer o nome dele em voz alta, uma imagem do seu rosto passa-me na mente e parece que me queima a face.- Chad.

E nesse preciso instante batem à porta, e eu salto. Will levanta-se mas faço-lhe sinal para se sentar. Eu vou ver quem é porque mesmo que já tenha acabado o meu turno, o café está à minha responsabilidade.

Os nossos olhos cruzam-se. Eu sei que ele veio porque achava que me poderia acompanhar a casa. Talvez tomar um café juntos, talvez resolver as coisas. Mas o seu plano saiu furado.

E eu troco o olhar entre os dois sem saber bem como reagir e acabo por pedir um minuto a Will e destrancar a porta para sair e enfrentar Chad. A última coisa que eu queria neste momento.

- Eu...- olhei para baixo porque não consigo encara-lo. Ele tem um efeito meio estranho em mim e eu sinto que podia olhar para ele o dia inteiro.- Vim aqui para te pedir desculpa pela maneira como falei contigo...

A maneira como falou não foi o problema. O problema foi ter trazido para público algo que deveria ficar exclusivamente entre nós. Só gostava que aquele local tivesse o mesmo significado para ele como tem para mim. Tivesse esse significado para ambos.

- Não tem problema.- olho para trás e ele parece desconfiado.- Mas agora tenho mesmo de ir. Falamos amanhã.

Viro-me e ele agarra-me no braço. Sinto a pele a apertar, e o seu toque tem um efeito diferente em mim. Eu sinto-me de algum modo mais viva.
Ele puxa-me e circunda o meu corpo, que parece tão pequeno junto dos braços dele. E um ardor na minha barriga cresce e eu beijo-lhe a testa com carinho.

Quero ficar aqui com ele mas tenho de me ir embora. Tenho Will à minha espera e não quero magoar ninguém. Mas Chad é... ele é diferente.

- Tenho mesmo de ir...- solto-me devagarinho e entro no estabelecimento, fechando a porta sem olhar para ele.

Will. Sorri tristemente e levanta-se.

- Posso acompanhar-te a casa?- quero gritar com ele por ser tão bondoso mas apenas aceno e juntos fazemos caminho para fora do café, as minhas mãos a tremer quando fecho a porta.

Está frio. Na verdade está um verdadeiro gelo e eu sei que o ambiente é pesado. As mãos nos bolsos dele, a maneira como me encolho perante o vento e a ausência de conversa indicam que há muito a dizer mas nada que deva realmente ser dito.

Aprendi da pior maneira que as vezes é melhor estar calado e não dizer nada.

- Tudo aquilo que te contei,eu...- Will começa o discurso um pouco incoerente e eu tenho de me concentrar por uns momentos para perceber o que ele quer dizer.- Eu não quero que fiques com pena de mim. Nem quero que fiques com má imagem ou que te sintas na obrigação de estar comigo. Eu só fui ao café porque achava que poderíamos falar um bocado e porque te queria pedir desculpa...- olho para ele.- E porque estava com fome.

Acabo por sorrir perante a maneira descontraída como fala. Porque é que não existem mais pessoas a dizerem exatamente aquilo que sentem? Seria tudo tão mais fácil.

- Não há nada para desculpar Will. E eu sinto exatamente o mesmo mas não podes controlar aquilo que sentes. Ninguém pode e tens todo o direito de ficar chateado com o que se passou. Quem tem de pedir desculpa sou eu mas porquê? Apenas me comportei de acordo com aquilo que sentia. E isso pode ser estranho para algumas pessoas...

- Para mim não é. Não podemos estar felizes e sorridentes o tempo inteiro. Não somos máquinas.

Acabei por concordar. A maneira relaxada como eu consigo falar com ele é rara hoje em dia. Mas também sei que não sinto nada mais do que isto. Uma estranha vontade de lhe contar mais sobre mim e ouvir mais sobre ele. De o conhecer.

Se eu pudesse escolher, não olharia para Chad desta maneira, não viria Will como vejo nem deixaria que o problema que Anne se encontra a passar me afetasse tanto. Mas tudo junto... isto é um acumular muito grande de ansiedade.

- Estou cansada...- digo ao chegarmos à porta.-Vou entrar está bem?

- Boa noite Mary...

- Boa noite Will...

Entro em casa e vejo todos na mesa sentados com chávenas em frente. Ninguém diz uma palavra enquanto Peter caminha na minha direcção e me abraça. E eu fico cerca de um minuto a chorar no ombro dele, a libertar tudo o que eu tenho acumulado... esta ansiedade, está a dar cabo de mim.

- Vai ficar tudo bem...- sussurra, como se se convencesse a ele próprio disso.-  Vai ficar tudo bem.

E eu acreditei naquela mentira. Porque seria mais fácil do que ver a realidade.

Identidade Perdida.Onde histórias criam vida. Descubra agora