Exame

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Não sei por quantos minutos fiquei naquela posição. Apenas sei que o meu batimento cardíaco estava a normalizar e as minhas mãos assim como todo o corpo deixaram de tremer lenta e dolorosamente.

A mão de Peter estava agora protetoramente no meu braço, exercendo um pouco de pressão no local.

- Como te sentes?- ele sussurra, achando que qualquer palavra pode ferir-me ainda mais.

- Não sei...- confesso.- Calma? Acho que estou calma.

- Isso é bom. Calma é sempre bom - consigo sentir a sua palma suada, nervosa. Como se isto tivesse sido uma batalha para ele também. Ainda não sei como é que ele apareceu neste momento, o momento certo e conseguiu dar-me a força que me faltava. Não via Pete há pelo menos uma semana. Nunca mais trocamos uma palavra desde aquele pequeno desentendimento e agora aqui estava ele, a dizer exactamente o que eu preciso de ouvir.

- Porque é que vieste aqui?- pergunto, levantando ligeiramente a cabeça para olhar para ele, tão concentrado na porta como se tivesse num Universo paralelo. E provavelmente estava.

- Queria ver-te, saber como estavas. Fiz bem, pelos vistos...- aquela postura tão rígida, não é a dele. Ele está a interpretar um papel, eu tenho a certeza absoluta. Como se aquela personagem pudesse dar a impressão de que não quer saber de nada, está-se nas tintas para tudo. É uma grande fachada, é o que é. Juro que não entendo porquê este papel duro.

Quer dizer, eu entendo mas não quero entender. Quero ser dura com ele e mostrar-lhe que assim só afasta as pessoas, mas não consigo. Como conseguiria depois do que se passou?

Afasto-me ligeiramente apenas para me virar e abraça-lo, o corpo tenso, inesperado perante o meu gesto de afeto. Va lá Peter.

Passado breves momentos vejo-o corresponder, inseguro se é isso que deve fazer. Não quero dizer-lhe o que fazer.

- Obrigada...- sussuro, incerta se ele sabe o quanto isto foi importante para mim. Afastamo-nos quase sincronizadamente, e ele levanta-se, fazendo-me levantar também. Coço o braço porque não sei como reagir. Ele olha para a janela, escapando ao meu olhar mas depois sorri. Um sorriso quase verdadeiro, quase sentido.

- Sabes Mary, não é a primeira vez que vai acontecer...- começa, olhando para mim em seguida e pondo ambas as mãos nos bolsos das calças pretas.- Mas com o tempo vai ficando mais fácil, Aprendes a lidar melhor com isso. Não é o fim do mundo.

E depois saí, deixando-me a olhar especada para sua figura sábia. Figura esta que não pode ser comparada a uma pessoa neste momento. Algo de assustadoramente irreal.

Naquela noite, ao jantar, tivemos a companhia de Peter. A cozinha era uma correria de pessoas a preparar as respectivas refeições com apontamentos de um lado para o outro e explicações que corriam. Megan estava a preparar uma salada enquanto Anne escrevia furiosamente no pc na ponta da mesa.
Na sala Troy e Mike estavam numa sessão de perguntas, onde o mais novo se encontrava de cócoras em cima do sofá numa ânsia para responder correctamente. Susan tinha uma pilha de livros no braço do sofá onde se encontrava e quando acaba um, começava outro. Peter encontrava-se no outro sofá a ler uns resumos com uma letra bastante péssima e pernas cruzadas à chinês.

- Querem alguma coisa para comer?- gritei da ombreira da porta e recebi diversos "não's" como resposta. Virei-me e preparei uma sandes rápida, preocupada se a comida iria sair tão rapidamente quanto entrava.

- O exame é de quê?- Megan perguntou-me, passando o pão.

- História do Teatro e do Espectáculo..- confessei enquanto barrava um pouco de manteiga e retirava do frigorífico mais alguns ingredientes.

Identidade Perdida.Onde histórias criam vida. Descubra agora