Era a manhã de uma segunda-feira.
O sol brilhava como no cintilar do meio dia. Na calçada as folhas soltavam-se da copa de uma paineira com a brisa refrescante e matutina. Uma delas se separou das demais ao cair e ser levada por uma corrente de ar que a colocou na direção da janela do meu quarto. Entrou e seu voo descontrolado findou-se quando pousou em minha testa.
Acordei desesperado. Afinal, o que poderia ser aquilo? Algo de textura seca, dura e que pinicava? Imaginei que fosse algum inseto raro de picada venenosa e mortal. Morro de medo de insetos. Por menor que eles sejam, são estranhos e podem até matar, mesmo que do coração, mas matam.
Após me sacudir e deferir diversos tapas em minha testa, me dei conta enfim de que se tratava de uma mera plantinha.
– É só uma folha seca. Sempre soube...
Já havia passado da hora de acordar e ir para o trabalho. Levantei e sai chutando tudo o que estava espalhado pelo chão, visto a impossibilidade de enxergar algo por conta da pouca claridade do ambiente. Me assustei e com o barulho acordei a todos os que ainda descansavam.
– Olha o barulho, Filé de Borboleta!
É assim que me chamavam em casa. Que merda!
Tateei o móvel ao lado da minha cama tentando encontrar meu celular. Passei a mão pelo meu CD do álbum By The Way dos Chili Peppers e o derrubei. Peguei algumas coisas e a roupa e fui para o banho. Assim que terminei e me arrumei saí apressado para o trabalho.
No caminho vivi um pouco do mesmo de cada dia em São Paulo: ônibus lotado, fui encochado. Braços ao alto, inalei o cecê da multidão. Trinta graus de calor. Transpirei. No metrô, o conforto estava um pouco melhor, mas muito lento naquela manhã. Justamente por ter em mente que já estava atrasado desde o momento que acordei com aquela folha em minha testa, resolvi não me estressar com o caos do transporte naquela manhã. Simplesmente aceitei. Busco sempre ir direto para a aceitação nas mais diversas situações estressantes do dia a dia.
Meia hora depois cheguei ao escritório. Passei pelo corredor dando bom dia a todos os que me notavam por ali até que finalmente cheguei à minha mesa. Olhei para o lado e lá estava o Augusto, meu parceiro de atividades no departamento de importação da Supra Comex.
Ele é um tanto gordo e barbudo. Trajava uma camiseta branca e calça jeans num tom azul escuro como de costume ao seu estilo. No momento que cheguei ele estava mexendo em seu cavanhaque formando pequenos dreads que logo desfazia com o auxílio de um pente. Como sempre, estava bem humorado. Era um dos piadistas da nossa equipe. O cumprimentei com o tradicional toque do tapa e o soco, mão com mão e começamos a conversar.
– Qual a boa de hoje? – Perguntei.
– Vamos poder receber massagem gratuita – respondeu.
– O quê?
– É isso mesmo. A Supra fechou uma parceria com uma clínica de estética e massagem. Poderemos marcar algumas sessões grátis como parte do novo programa de qualidade de vida no trabalho.
– Parceria estranha, mas já gostei.
– Estouramos ou não?
Levei a pergunta como retórica, nos viramos cada um para seu computador e nos concentramos nos afazeres daquela manhã. Fiquei algumas horas analisando documentos e atualizando informações em nosso sistema. Minha concentração durou até o momento que olhei para a frente e notei a testa do Martín por cima da baia que dividia as nossas mesas. Tentei tacar um clipe, mas ele se abaixou mostrando-me ter bom reflexo. Apareceu novamente, mas desta vez fazendo careta e imitando a voz do apresentador Raul Gil.
– Vamos pegar um cafezinho?
Começamos a rir. O Martín também é gordinho. Naquela manhã estava com a barba por fazer lembrando um mendigo. Se não fosse por sua nova camisa polo Diesel de cor preta a qual usava pela primeira vez naquela segunda-feira e que o deixava elegante, eu diria que ele teria acordo bêbado em qualquer lugar e ido trabalhar. O Martín tem cabelos num tom louro escuro e ondulado, mas bem curto. Era o meu melhor amigo do escritório e fiel companheiro de cervejadas. Eu dizia a ele que se um dia me tornasse o presidente do Brasil, lhe daria o título simbólico de "O Ministro da Cerveja". Assim mesmo, com as iniciais maiúsculas para ressaltar a grandiosidade e importância do cargo.
– Vamos, Gordão! – É assim que o chamávamos por lá.
– Vamos a-pla-u-dir! – Disse ainda na voz do Raul Gil, pausadamente imitando nos mínimos detalhes o modo de falar do apresentador.
Nos dirigimos à maquina de café do oitavo andar do prédio. Naquele momento ele já havia saído de seu personagem e conversava com sua voz normal. Selecionei a quantidade de açúcar que queria e então escolhi meu café expresso.
– E aí. Como foi o seu final de semana? Muita gelada? – Me perguntou.
– Mais ou menos – respondi – sobre você nem preciso perguntar. Bebeu até a bunda cair, estou certo?
– Pois é, entortei o caneco. Fui à uma formatura usando uma calça estranha com cinto e um suspensório frouxo nos ombros.
– Esse look?! – Bradei a pergunta. – Não sou especialista em moda, mas sei o suficiente para dizer que você estava ridículo. Te julgo!
– Era só para tirar uma onda. E além disso, eu não era o único vestido assim na ocasião.
– Menos mal!
– Já falou com o César hoje? – Cochichou muito, muito baixo. – O vi assim que cheguei. Estava com umas ideias estranhas.
– Por que você está falando tão baixo?
– Ah, não sei! – respondeu em alto tom de voz.
– Idiota. E quais eram as ideias estranhas do César?
– Sobre irmos para o Paraguai... de carro.
– O Paraguai?! – Gritei por força do momento. – Porra, mas logo de carro? Ele deve pensar que o Paraguai deve ficar logo ali, depois de Sorocaba, só pode!
– Sim, ele disse que seria uma boa oportunidade para fazermos umas comprinhas já que no próximo mês teremos o natal. Também falou em conhecermos as equipes que operam na importação na área de alfândega da fronteira. E quem sabe até fazermos uma belas fotos no Niagara Falls.
– Niagara Falls? Ali fica Iguaçu, tonto. Cataratas do Iguaçu.
– Exato. Que seja!
– Coisa de louco essa viagem – respondi enquanto abria uma paçoca que tirei do bolso, pois nunca tive o costume de tomar café assim que retirado da máquina por conta de sua altíssima temperatura.
Enquanto degustava o meu doce favorito, observava com espanto o Gordão virando seu café tão quente quanto o meu em apenas um gole.
"O Paraguai" – pensei. – Será que é uma boa? Parece loucura. No que estou pensando? Preciso acordar e acho que o César também. Ainda é segunda-feira e já estão com ideias loucas e realmente estranhas.
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Rumo ao Paraguai
HumorUm feriado prolongado era tudo o que precisavam para caírem na estrada tendo como destino outro país. São profissionais de um escritório qualquer. Edu um apaixonado por paçocas e Martín, o Gordão, um admirador de bons pratos. A dupla se une a seus...