Capítulo 26

60 13 5
                                    

       

Os dois homens de cinza da trupe dos Pereira seguiam em sua van pela via Supercarretera. Pegaram uma saída para Hernandarias e foram até um bairro na periferia da cidade. Era uma área pacata de ruas não asfaltadas, poucas casas pequenas e simples, algumas brancas com duas janelas, uma porta e o telhado modelo duas ou três águas em forma triangular, outras no mesmo padrão, mas ao invés de brancas eram de tijolos de barro. Por ali havia alguns cães perambulando para lá e para cá brincando pela terra, imundos, mas contentes e bem agitados. Dali o brasileiro telefonou para Edgard Ronald Óscar que logo chegou preocupado com o que poderia ter ocorrido inesperadamente para o chamarem ali.

– O que foi que aconteceu para vocês me chamarem até aqui? Logo aqui...

– Señor, tivemos um problema lá no hotel. Um imbecil que estava próximo de nós acabou pegando alguns bolinhos de baunilha do elemento Z e os devorou pensando que fossem apenas petiscos como os que os outros garçons serviam por lá.

– Mas isso é de menos. Alguns EZs a menos neste tipo de retirada até que é esperado e explicável para Amado Pereira.

– Mas não é só isso, señor. Ele também comeu o bolinho marcado, o de chocolate, aquele que continha o chip.

– O quê? – Gritou indignado. – Inaceitável. Inexplicável para Amado! Imagina só eu ter que contar a ele sobre isso. Não tenho coragem de chegar e disparar palavras como "chefe, um panaca que, diga-se de passagem, é brasileiro, acabou devorando o nosso chip". El Pelo vai ficar muito, mas muito puto com uma história dessas.

Enquanto falavam, o capanga paraguaio os observava de perto. Estava encostado na van. Havia deixado seu chapéu um pouco frouxo em sua cabeça, o que revelava seus sinais de calvície. Fez aquilo por conta do calor e encostava-se pelo fato da van fazer uma pequena sombra onde ele podia descansar protegido do sol.

– Mas essa história é real, señor. – Continuou o brasileiro falando sobre o que aconteceu no hotel.

– O que é pior. Se o verídico já é tosco, imagine se inventássemos uma desculpa o quão esdrúxulo ficaria. E como é que vocês permitiram que isso acontecesse?

– Como eu lhe disse, señor, o garç...

– Não fale – interrompeu-o –, não diga mais nada. Vou ter que telefonar para El Pelo e mandar a real sobre o que aconteceu. Isso pode gerar atrasos na execução de seus planos. O que ele disser, vamos ter que fazer com esse cara.

De dentro da van o Dani os espiava e escutava toda a conversa. Ao seu lado o Ricardo acordava ainda grogue e conversava falando coisa com coisa.

– Daniel? É você?

– Sim. Fale baixo, Ricardo. Estou aqui contigo.

– Conta outra. Estou te vendo e você me diz que está comigo? É claro que você está comigo. Se não estivesse então o que será eu estaria enxergando agora? Estamos juntos nesta jornada, nesta odisseia pela América do Sul. Daqui devíamos seguir para a Argentina, depois para o Chile e de lá que o universo decida nosso próximo destino.

– Porra, Ricardo. Fale baixo!

– Baixo? Eu toco baixo desde o colegial. Sempre toquei bem – respondeu fazendo gestos como se dedilhasse as cordas do instrumento.

– Não esse baixo. Apenas abaixe o volume da sua voz, por favor, ou estaremos fodidos. Já estamos!

– O volume? Você quer que eu calcule a cubagem de alguma coisa? Pode ser o volume destas caixas? Olhe-as, tem borboletas sobre elas. Elas vão voar – levantou-se e tentou apanhá-las no ar. – Vou caçar borboletas. Elas são tão lindas. Não consigo conter a emoção. Sorte a minha que você está aqui comigo para vê-las. Essas cores tão fortes... tão vivas.

– Ricardo, fique sentado. – Pediu o Dani agarrando-o pelo ombro e sentando-o com cuidado de volta ao chão da van.

– Olhe essa borboleta no seu ombro. Não é maravilhosa? – perguntou no momento que as lágrimas escorriam de seus olhos, pois não conteve a forte emoção ao encantar-se com a beleza dos seres que apareciam no interior daquela van de acordo com suas alucinações. Enquanto isso o Dani checava seus dois ombros, mas como esperava, nada encontrou. – Olhe pro teto, veja que linda aquela libélula. Veja as flores brotando do chão e os élfos próximos a porta – sorriu. – Um deles é o Bruno, o despachante do cassino clandestino. O cassino? O cassino! – Tudo dentro daquela van brilhava aos olhos dele. Era como um sonho encantado. O Ricardo até assustou-se no momento que pronunciava "cassino". – Eu tenho uma competição de pôquer... eu acho.

O capanga paraguaio do lado de fora ouvia a alguns cochichos e decidiu verificar o que estava acontecendo. Ajeitou o chapéu em sua cabeça e caminhou alguns passos até a porta. O Dani ao notar que ele tentava força-la, correu para trás das caixas e agachou-se. Ao abri-la deixando-a correr pela lateral da van o criminoso deparou-se com o Ricardo sentado. Ele assustou-se e levantou-se de pressa encarando-o de olhos cerrados.

– Zorro, seu filho da puta! – Chamou-o de Zorro por conta de seu chapéu e, como efeito de sua alucinação, enxergou uma máscara naquele rosto. – Ora seu miserável. Você marcou a testa do Harry Potter ao contrário. Seu babaca. Você fez um "N", não um "Z". Foi você quem o marcou, não foi? seu inútil... vou acabar com você. Não posso aceitar que você seja analfabeto, "Norro". Você é uma vergonha para Johnston McCulley!

– Dios mio. Es muy loco. – Resmungou o capanga em espanhol e em seguida bateu a porta novamente. Então o Dani saiu de trás das caixas e foi até Ricardo doidão.

– Ricardo. Sério. Mantenha-se quieto. Você foi sequestrado...

– Você me sequestrou? Daniel, eu confiava em você, cara. Zorro, socorro, socorro! – gritou, mas do lado de fora os três apenas se olharam. O "Zorro" ou "Norro" fez um gesto com o braço dizendo-os para não ligarem para o Ricardo e indicando-os que continuassem com o que estavam falando.

– Cala a boca, Ricardo. Não fui eu. Eu estou aqui para te salvar... do Zorro. Ele quer marcar você... Com um "N".

– Ah, mas não vai me marcar. De forma alguma. Me dê um abraço!

– Vou tirar você daqui – respondeu abraçando-o.

– Eu te amo, cara! – Declarou-se chorando.


Rumo ao ParaguaiOnde histórias criam vida. Descubra agora