Capítulo 2

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O tempo parecia se arrastar como de costume para qualquer manhã de segunda-feira.

Nos aproximávamos do meio dia e eu já estava faminto. O tédio me consumia e ainda pensava no meu descanso do final de semana que passou. Buscava na preguiça o conforto para a minha manhã e tentando criar coragem para enfrentar a semana que estava apenas começando. Eu agradecia pelas vozes ao meu redor e os toques de telefone vez ou outra que ajudavam a disfarçar os ruídos do meu estômago que àquela altura com certeza me xingava, clamando por comida, alguma migalha de qualquer coisa, de paçoca, ou seja lá o que fosse.

Além disso, ainda havia o áudio da Rádio Som FM que também disfarçava o meu estômago resmungão, mas confesso que mesmo com músicas de qualidade eu não suportava mais ouvir as mesmas músicas todos os dias, duas ou três vezes por dia, quase que na mesma ordem de manhã, de tarde e de noite, aliás, ninguém mais ali suportava.

Copiei uma frase da estampa da camiseta de um rapaz do departamento de TI que vi assim que entrei no prédio da Supra Comex e o fixei próximo da tela do meu computador: "Don't hate monday. Make monday hate you". Tão motivador querer fazer a segunda-feira me odiar, ao invés de odiá-la. Queria que aquela frase passasse a ser minha inspiração em todos os inícios de semana começando por aquela manhã.

Já passara do meio dia. Meu horário de almoço era um pouco mais tarde, mais precisamente a uma da tarde. Naquela vez implorei para o pessoal para sairmos vinte minutos mais cedo. Como todos pareciam estar com a mesma fome que eu acabaram topando.

Fui para o elevador com o Gordão e lá estava o César utilizando suas habilidades de persuasão para convencer o Daniel que o acompanhava de que aquela viagem seria tranquila e fácil.

O César era alto, usava um cabelo de moicano com a parte da frente às vezes lambida na testa. Também tinha uma barba, mas bem rala no queixo e bochechas. Nunca perguntei sua idade, mas aparentava já ter seus trinta e poucos anos. Sempre que tinha algo a oferecer tentava nos vender ou negociar qualquer troca possível. Me lembro de uma vez que se ofereceu para levar seu cooler a um churrasco para que pudéssemos preenchê-lo com latas de cerveja. Depois que confirmamos que poderia levar, tentou nos cobrar uma taxa de empréstimo do cooler. No fundo, essa ideia de ir ao Paraguai fazia algum sentido já que partiu dele. No mínimo iria revender algo para os amigos e conhecidos assim que voltasse de lá. Uma vez tentou até vender em um portal de vendas online um orelhão daqueles bem antigos que eram creditados por meio de fichas e que estava jogado perto de sua casa. Ele é daquele tipo que anuncia qualquer coisa na internet.

Quanto ao Dani que o acompanhava, além de alto era um brutamonte. Cabelo espetado, barba começando a nascer e olhos fundos. Um esbarrão dele seria capaz de me fazer voar por aí. Tinha por volta de uns vinte e sete anos e um probleminha: não sabia falar corretamente algumas palavras difíceis e outras nem tão complicadas assim, mas era um cara muito inteligente e sincero. Muitas vezes até lhe faltava filtro com aquilo o que falava.

– E aí Edu – disse o César dirigindo-me a palavra – estava aqui tentando convencer o Dani de irmos para o Paraguai. O Martín comentou com você? Vamos na quarta depois do expediente. Estou planejando tudo para dar certo.

– Como assim "vamos"? Nem tem a confirmação da galera e já marcou até o horário de partida?

– Sim, "V-A-M-O-S"! – Soletrou rapidamente. – Acertou se realmente achou que você está envolvido.

– Mas cara... na realidade não estou em condições no momento. Tive que comprar algumas coisas e pagar meus boletos. Sinceramente não sei se rola para mim. À propósito, quem vai?

– Eu, claro. O Dani, tenho certeza. Você, o Martín e o Augusto por hora.

– Já te disse que não existe possibilidade de eu ir, César! – Disse o Dani pronunciando-se e imergindo do silêncio em que se encontrava até aquele momento antes mesmo da minha próxima resposta. – Sou novo, mas tenho mulher. Ela vai me matar se eu chegar em casa com uma ideia maluca como essa. Ah, sem contar que como ela me conhece bem, saberá que isso não saiu da minha cabeça e que isso só pode ser ideia sua.

– Ligue para ela. Diga que você estará na companhia de rapazes comprometidos que não o induzirão a fazer o que não deva. Solteiros teremos somente o Augusto e o Martín, mas podemos dizer a ela que eles também são comprometidos, talvez até inventar que são um casal.

– Vai se foder, César. - Disse o Gordão. – Por que eu formando um casal com o Guto?

– Relaxa, você é o único aqui que o chama de Guto. Vocês estão muito nervosos com a ideia. Sigam o meu roteiro e então dará tudo certo. Ah, e não pensem que não sei que vocês têm dinheiro para ir. Nosso pagamento foi efetuado antes do final de semana que passou.

– O Edu também o chama assim. Sobre dinheiro, gastei quase tudo em cana e numa roupa maneira durante o fim de semana.

– E eu já comentei sobre a situação. Realmente acho muito complicado pôr esse plano em prática! – Respondi aproveitando o gancho. Dei a entender que não estava muito empolgado com aquela viagem, mas mentalmente já fazia cálculos e planejava algumas coisas caso desejasse mudar de ideia... e provavelmente mudaria. Droga!

– Quer saber? Eu não saí, mas foda-se, César. Não vou dar essas desculpas esfarrapadas como eles. E não tenho dinheiro mesmo. Você acha que a gente ganha bem como aqueles caras daquela profissão lá que aparecem nos noticiários?

– Qual profissão, Dani? – Questionei no momento em que as portas do elevador se abriam no andar térreo do prédio.

– É difícil o nome.

– Mas você tem que tentar! – Disse o Gordão. – Pode falar, se você não acertar a gente te corrige e a vida segue. Errar é normal...

– Mas o nome é complicado mesmo. É um com R. Acho que é Re...

– "Re" o que?

– Rep...

– Como? – Perguntei tentando entender para também ajudar.

– Rep... Ah é difícil, porra!

– Vai logo, cara. Fala!

– Acho que é RE-PÓR-TER.

– Vá se foder, Dani! – Gritou o César enquanto o Gordão e eu começamos a rir daquilo.

– Vá você. E vocês falaram que é normal errar e agora estão aí rindo de mim, filhos da puta!

Olhei pra ele e não pude deixar de tirar uma onda.

– Porra, cara. Repórter realmente é complicado. O sotaque das nossas quebradas nos impede de acertar tão fácil. Lembro que treinei um pouco quando aprendi essa palavra, mas depois de umas três repetições, acertei. Aliás, aprendi como se fala "repórter" tem só uns dias. Logo você estará fluente na pronúncia dessa profissão dos noticiários.


Rumo ao ParaguaiOnde histórias criam vida. Descubra agora